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Otto: De Trás p/ Diante

O lado humano de Otto Lara Resende

Por Bernardo Castro

Durante o Festival do Rio 2022

Otto: De Trás p/ Diante

“A morte é, de tudo na vida, a única coisa absolutamente insubornável”, de Otto Lara Resende. Para o bem da civilização moderna, algumas das grandes mentes abandonaram a simples transcrição de certos eventos e partiram para a criação de acontecimentos, embelezando tais ocorridos com o garbo de suas palavras muito habilmente aplicadas. Ao falar de cultura brasileira, é imprescindível enaltecer o pródigo acervo literário que o país possui. No hall de grandes nomes está Otto Lara Resende, que foi, de muitas coisas, um profundo conhecedor do texto em prosa e detentor de um talento incontestável no emprego o verbo. Em celebração ao seu extenso legado e ao seu centenário, o Festival do Rio exibe o documentário “Otto: De Trás p/ Diante”.

Dirigido por sua filha temporã, Helena, e codirigido por Marcos Ribeiro, o longa se propõe a contar a trajetória do falecido escritor por meio de depoimentos de amigos e familiares, leituras de registros textuais inéditos e de declamações da atriz Júlia Lemmertz, intercalados com a encenação do ator mineiro Rodolfo Vaz, que interpreta Otto. Para complementar, utiliza-se de excertos de entrevistas. O retrato de uma insólita carreira, que começou na escrita jornalística, perpassando os cargos de adido cultural pelo Itamaraty e funcionário na Procuradoria Geral – fatos estes que denotam a excentricidade da figura multifacetada de Otto Lara Resende.

Durante “Otto: De Trás p/ Diante”, somos imersos na intimidade da vida cotidiana do autor de “O Príncipe e o Sabiá“, possibilitada pela revelação de momentos frívolos até as reflexões de natureza metafísica mais profundas deixadas por ele. Engendrado de uma perspectiva pessoal, o longa-metragem faz questão de nos apresentar à figura de homem de família e companheiro fiel, dono de uma afabilidade implacável e um sorriso indelével, contrastando com a soturna literatura produzida por ele – em suas próprias palavras, “Como pai, me considero, modéstia à parte, uma mãe exemplar”, e “amizade é como esmola; pouca ou muita, não se recusa”. A obra também entretém com algumas frivolidades, como a sórdida homenagem do dramaturgo Nelson Rodrigues, que é precedido pela lasciva fama.

Na obra, assim como em outros documentários brasileiros feitos recentemente, há o acréscimo de atuações. Inicialmente no intuito de escapar ao molde clássico de documentário expositivo, a presença de Rodolfo Vaz reafirma Otto como objeto de estudo na ausência e impossibilidade de sua presença física. Vaz faz um bom trabalho ao internalizar os mínimos gestos e a cadência na voz, obtendo êxito na tarefa da qual foi incumbido. Júlia Lemmertz foi uma escolha acertada, em virtude da dramaticidade que ela aplica à cada texto lido, combinando com o caráter funesto deles. As declarações de sua esposa e de sua filha, combinados às do seu conterrâneo Humberto Werneck, auxiliam o espectador a montar o quebra-cabeça que foi a vida do escritor de “O Braço Direito“. A trilha sonora emotiva acentua a emoção que cada entrevista ou escrito do autor evoca.

É interessante como a sua produção epistolar se tornou o principal fio condutor da trama, em virtude de sua tendência para as missivas como forma de manter contato com os seus familiares e amigos de juventude, como o escritor e cronista Fernando Sabino. A leitura das cartas nos centra na ordem dos fatos, mesmo que não sejam lidas seguindo estritamente a linha cronológica. É preciso lembrar que nada disso seria viável sem a ajuda do acervo do Instituto Moreira Salles e do garimpo no acervo pessoal da família, mostrando a importância da arquivologia para a história do cinema e das artes no geral.

“Otto: De Trás p/ Diante” é, sobretudo, um impecável trabalho de preservação da memória e da cultura brasileira. Ele consegue vencer as eventuais adversidades com o saudosismo que evoca. É um grande processo de descobrimento e redescobrimento da extensa bibliografia de Otto traduzido para o formato audiovisual – tanto por parte do público quanto por parte dos que confeccionaram o longa. Como filme, no entanto, é relativamente simples, se valendo mais do seu potencial arquivístico e da qualidade do seu texto do que de uma mise em scène elaborada. Em outras palavras, não há uma reflexão estética muito disruptiva no tocante à sétima arte- mesmo assim, é válido mencionar as animações e alguns planos bem trabalhados.

4 Nota do Crítico 5 1

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