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Os Salafrários

O desgaste inevitável

Por Vitor Velloso

Netflix

Os Salafrários

“Os Salafrários” de Pedro Antônio chega ao catálogo da Netflix Brasil para tentar trazer um pouco de sorriso aos amargos momentos que o país enfrenta. A obra se concentra na fórmula que foi popularizada pelo grupo que protagonizou “Vai que Cola” por tantos anos, ou seja, uma comédia que procura estereótipos na sociedade brasileira para cadenciar entre o besteirol e a crítica a determinadas “instituições” conservadoras e normativas. 

E é claro que não se pode falar do que a dupla Samantha Schmütz e Marcus Majella constroem aqui sem lembrar do legado que Paulo Gustavo deixou. Não só para o estilo da comédia brasileira, como para o recorte cinematográfico contemporâneo. A influência é notável e o espectador percebe o dinamismo quase ocasional das situações, onde o improviso é visto em sorrisos descontrolados na cena. Por essa razão, o longa que chega à gigante do streaming decepciona pelo caráter genérico e programático que é projetado na tela. Sem nenhuma inovação, o barato fica entre um especial de TV e uma reprodução literal das piadas popularizadas pelo grupo. Não que tudo seja sem graça, mas a fórmula dá seus sinais de desgaste e a decadência programada é cada vez mais exposta por essa falta de versatilidade formal no humor. 

Pedro Antônio dá espaço para que as estrelas brilhem, sem conseguir fazer humor a partir da linguagem, dessa maneira, os quadros fixos apenas criam a exposição de uma situação onde os atores seguem o roteiro. Que é outro problema de “Os Salafrários”, que não consegue esconder as inúmeras fragilidades do texto e constrói cenas verdadeiramente vergonhosas. A sequência da blitz na beira da estrada é um exemplo disso, onde arquétipos são despejados em uma velocidade recorde, de maneira um bocado preguiçosa, sem o tom crítico que conhecíamos do grupo. Além disso, as questões centrais dos personagens são exploradas quando convém à narrativa, o que dá a sensação de um filme que nunca se encontra, está sempre perdido e não encaixa uma unidade funcional para essa trama. A questão dos quadros falsificados é praticamente perdida ao longo da projeção, sendo retomada posteriormente como se o desenvolvimento estivesse acompanhando a falcatrua generalizada. 

A saída mais fácil então é explorar a imagem do “brasileiro malandro” e a deturpação moral do banalizado “jeitinho brasileiro”. Como em um movimento de naturalização da corrupção, essa frente vai sendo articulada como uma característica do povo brasileiro, entre a exaltação e a denúncia. Aqui, às margens de um conchavo com verve conservadora “Os Salafrários” perde a mão e soa como um longa reacionário, tateando nas frestas do discurso decadente da burguesia, a imagem do “povo” é tomada pelos aproveitadores, golpistas e “salafrários”. É uma linha tênue que o diretor não consegue manejar com sua forma fixa e programática, sempre caindo no engessamento de uma narrativa mambembe. Sem grandes mudanças dos outros projetos, o negócio fica tedioso e a proposta de entretenimento fica distante da realidade final. 

Sem conseguir cativar ou carregar a atenção até o fim da projeção, é possível que haja desistência antes dos créditos finais. Caso o espectador consiga se manter diante da tela, irá presenciar algumas piadas e cenas vergonhosas, um amontoado de estereótipos preguiçosos, catarses com hino nacional e uma estrutura que poderia encontrar um caminho crítico sem refletir as inúmeras fragilidades do projeto. Talvez seja o momento de repensar algumas produções, diante de um cenário onde o desgaste está evidente é preciso refletir melhor algumas escolhas que comprometem o andamento geral das obras. “Os Salafrários” é uma mostra que a repetição gera vácuos irreversíveis e custa-caro a longo prazo. Está claro que os filmes de Pedro Antônio não se destacam dos demais, mas o resultado mais recente está ainda mais aquém dos demais e preocupa ver que o modo automático foi ligado para alcançar as cifras. 

Ao menos os lançamentos do streaming receberam algumas palavras em português em meio ao despejo internacional comum à nossa dependência. 

2 Nota do Crítico 5 1

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