Oeste Outra Vez
Dor de cotovelo
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra CineBH 2024
O novo longa-metragem de Erico Rassi é uma espécie de filme dos Irmãos Coen com a trilha de Lupicínio Rodrigues, no lugar da ganância existe a dor de cotovelo. “Oeste outra vez” se apresenta ao público em uma primeira cena memorável, com comicidade eficiente e a introdução de todos os elementos necessários para o espectador acompanhar os conflitos dos personagens.
Esse poder de síntese é construído através da efetividade dos planos e da suspensão de diálogos frequentes. Pelo contrário, quando avançamos na projeção, torna-se claro que os diálogos possuem uma função de provocar uma oposição à relação de vingança que atravessa a obra. Não por acaso, mesmo com as escaladas de violência, o filme trabalha com a constante quebra de expectativa, provocando risadas no público através do absurdo e repetições nos diálogos. Assim, parte da conexão com os personagens, torna-se de expectativa por uma nova linha e situação cômica, sem que seja necessário haver um desenvolvimento dramático extraordinário. Por essa razão, a percepção que temos de cada personagem, passa por uma certa superficialidade, mas que é capaz de funcionar justamente por um certo destino inevitável que compõe o “bang bang” enquanto uma certa mitologia estabelecida historicamente. Diferentemente de outras obras, a permanência na superfície não se apresenta como um caráter limitante, mas sim como um arquétipo consciente de uma estrutura que se move de forma quase primitiva. Um exemplo disso é a linha dramática que liga quase todos os personagens: a “perda” da mulher amada.
“Oeste outra vez” transita de forma sagaz entre diferentes percepções de gênero cinematográfico sem nenhum tipo de pretensão em provocar debates profundos acerca de suas temáticas, por mais que ofereça a possibilidade de racionalizar sobre as razões de cada homem e sobre suas fragilidades, egoísmos, orgulhos e possessividades. Em uma cena específica, há um princípio de diálogo franco sobre os incômodos de determinado personagem, que se encerra com um constrangimento mútuo e a impossibilidade do desabafo, por conta de um orgulho masculino que acredita que a exposição de seus sentimentos significa abaixar a guarda. Esse tipo de discussão permanece disponível para apreciação ao longo da projeção do filme, por estas cenas e situações que são apresentadas, mas o projeto não parece desenvolver nenhum desses segmentos com a intenção de suscitar algo mais profundo que a própria representação já não traduz.
Nesse aspecto, o longa é hábil ao transitar entre sua característica cômica e sua personalidade de faroeste, encontrando uma forma de apresentar sucessivos erros dos personagens, onde suas falhas geram situações engraçadas, mas com propósito de movimentar a narrativa. Em razão dessa construção tênue entre as tensões da violência e as pataguadas das tentativas de crime, a fotografia se destaca ao conseguir imprimir uma densa escuridão nos rostos, mesmo em momentos prosaicos, criando uma caracterização fúnebre e fatalista mesmo com diálogos absurdos acontecendo se acumulando. Assim, o filme prepara o espectador para algum tipo de salto dramático ou trágico, sem tomar nenhuma atitude apressada, mantendo uma cadência consciente e queimando lentamente até seu clímax. E este é um dos maiores méritos da obra, uma montagem que possui plena noção de como construir de forma gradual as diversas sensações provocadas por “Oeste Outra Vez”, sem a necessidade de se apressar, sem precisar apelar para certos dispositivos fáceis e mantendo-se fiel à sua versão Coen-Lupicínio.
De forma precisa, Erico Rassi apresenta ao cinema brasileiro um filme tão original quanto de homenagem, não apenas ao gênero do faroeste, mas à uma caracterização cultural regional que enriquece o longa de forma crescente. Aliás, algumas tomadas de bares e pessoas em suas cantorias pela madrugada, podem até não agregar a trama dos protagonistas, mas sem dúvida ajudam a trabalhar uma ambientação que agrega à obra.