O Som do Silêncio
O pôster que engana...
Por Vitor Velloso
Amazon Prime Video
Comentado por todos, “O Som do Silêncio” se tornou mais destaque de 2020. O streaming ocupou grande parte das listas de “melhores do ano” e o longa de Darius Marder colecionou participações. O longa pode enganar o desavisado, como eu, que viu apenas o pôster e decidiu embarcar em um Whiplash metaleiro, para a surpresa, temos o extremo oposto. A narrativa segue com um trabalho de som que se permite a ausência em determinados momentos, não apenas para simular a questão dramática que norteia o projeto, mas para criar uma camada de suspensão na própria articulação. Trabalhar com essa banda sonora como o principal motor da obra não é tarefa simples. Nem inovadora.
Mas o filme exibido pela Prime Video é consciente de sua estrutura e se projeta sempre em prol do desenvolvimento do drama de seu protagonista, um estudo de personagem que concebe sua própria narrativa através de sua linguagem. Para que o barato todo funcione, Riz Ahmed tem que tomar conta da tela para si. São poucos os planos que não contém Ruben em quadro, a misancene gira a favor de suas ações e sentimentos, a linguagem dobra para materializar a perspectiva de seu personagem, o lugar que não se encontra. Uma pessoa que vive do som, tendo que compreender a ausência dele, não como um sentimento de impotência, porém de amadurecimento.
E é onde “O Som do Silêncio” consegue fisgar seus espectadores, que são introduzidos neste universo de singularidades e que capta o mundo a partir de uma perspectiva distinta do que o audiovisual das grandes indústrias nos impõe. Não é possível falar de “ausência de som” no longa, mas de um trabalho minucioso do mesmo. As vozes pesam durante a projeção, cada som possui um impacto distinto na obra, a experiência é regida pela nossa relação com o protagonista e com os sons. Não à toa, o filme pode soar distante de parte do público, que não se acostuma com a falta de recorrências mais graves (foi sem querer) na banda sonora. É uma espécie de antimusical, mas com batidas definidas no ritmo do processo de descoberta de Ruben.
O amadurecimento que o longa propõe, não é de uma complexidade a partir do tempo, mas de uma base de construção material e social. Lou é o contraponto máximo à questão com a música, com os sons e com o passado. As divergências entre como os personagens compreendem suas caminhadas e ambições se torna explícita com a presença de Lou em cena, que se modifica para um sufocamento maior dos planos e de uma relação mais imediata e direta com seus personagens. Nesse campo, o barato é ambíguo, pois acaba fortalecendo alguns arquétipos da indústria, o longa passa a flertar com os piores tipos de melaços, se torna expositivo, mimético. Contudo, consegue sair do beco industrial em uma cena que recusa o diálogo e aposta na compreensão do espectador a partir da construção dramática do protagonista, sem criar caso com um possível imbróglio nas amarras, pois as ações são diretas e sem rodeios.
“O Som do Silêncio” é um protótipo de como a indústria “B” da Bidenland se articula para atingir lados comumente opostos no mercado cinematográfico. É uma obra que consegue conciliar tanto a exposição mais corriqueira, quanto em uma onda de construção mais lenta, buscando outros mercados e festivais de cinema. Toronto é uma bela síntese do mercado que o longa encontra. Talvez em um outro momento, o filme pudesse ser exibido nas salas de cinema, conseguindo um público similar às projeções de “Manchester à Beira-Mar”. O imperialismo monumental da empresa de Bezos acaba corroendo algumas interpretações mais apressadas e irresponsáveis que vemos por aí. É sempre necessário lembrar que esse meio de exibição, a partir da gigante de todas as cifras e mercados possíveis, deve estar associado a todo tipo de alienação da indústria, sempre com o devido cuidado de apuração das partes envolvidas.
Apesar da digressão final no texto presente, “O Som do Silêncio” é uma obra que consegue se destacar das demais lançadas no ano pandêmico, mas não alcança grandes louvores.