O Prisioneiro
O passado que não passou
Por Vitor Velloso
Cinema Virtual
Proposta de desarticulação institucional para a rinha pessoal de interesses privados vingativos aliado ao Estado x indivíduo. Nada mais interessante para que a proposta neoliberal seja implementada em “O Prisioneiro”.
Aqui, o direito do cidadão é rompido através da quebra de moral e ética do sistema carcerário, personificado em Daniel Calvin (Laurence Fishburne). Uma espécie de mea culpa norte-americana acerca do imperialismo promovido pelo sistema de “Justiça”, onde a lei é punir, sem que haja limites para isso, pois o Estado deve cercar a moral da sociedade, aniquilando os criminosos.
Porém, o filme de Paul Kampf possui intenções claras em seu tratamento. Além de aliciar o pensamento à libertação individual, contra o Estado, através dos interesses privados (aqui uma trama de vingança e redenção, propriamente cristã), o filme é festivo em sua auto proclamação de independência, pois o Estado é cruel e vingativo, logo, devemos recorrer ao sonho da emancipação norte-americana, simples. O desenho doentio do representante do Estado, Daniel, é vil, sádico e utiliza de sua influência em meio ao imbróglio criminoso que conduz, obrigando a esposa do protagonista Dylan (Juan Pablo Raba) a fazer sexo com ele.
O quanto “O Prisioneiro” se distancia da realidade demonstra suas intenções puramente morais com sua projeção de uma discussão tão distante, que se perde em trama pessoal. E é onde mora grande parte das problemáticas políticas que o longa esbarra, pois não possui interesses concretos de debate, apenas uma necessidade de introdução temática, para que a proposta mercadológica que se compromete com as cifras e a fidelidade do cinema norte-americano, seja cumprida. Não à toa, o desmonte coletivo aqui é próximo ao que o capitalismo realizou acerca das reivindicações estadunidenses (não apenas) de 68, ampliou o repertório das pautas, para uma coletividade individualizante. Como? Utilizando da premissa legal para se compreender toda uma sociedade, mas que traduz de forma objetiva a questão situacional e privada do assunto.
“O Prisioneiro” faz exatamente o mesmo, pois tipifica sua narrativa maior, de embates de interesses políticos em uma resolução de dois homens, um clássico desenvolvimento de “acerto de contas”. A moralidade e a falta de compromisso ético com o que propõe é tamanha, que em determinado momento um dos personagens fala “isso é política”, tentando desvencilhar qualquer ligação óbvia entre o tratamento abusivo dos prisioneiros (e aqui envolve pena de morte) e a política do Estado.
Para facilitar a digestão do projeto de cunho doutrinário, abraça-se todos os arquétipos possíveis para que seja facilitada o sistema “anti institucional” e as reverberações de interesse privado acima da discussão política inerente ao projeto. A forma se alinha perfeitamente com o mercado de gatilho fácil, onde o sistema de ação x reação é explícito até na encenação das lutas, onde tudo se traduz em cortes múltiplos, golpes brutais etc. Aliás, esses embates corporais que o filme tanto investe tempo, são absolutamente desnecessários em toda sua construção, pois poderiam ser resolvidas em esquematizações simples, onde o debate pudesse ser mantido sem gritos, pontapés e sangue na tela. Caso fosse feito no intuito da quebra da inércia política, seria compreensível, mas aqui é para dinamizar o drama que é projetado na tela, criar o entretenimento e quem sabe… nos lembrar que tudo se resolve na violência.
Em outra perspectiva, o próprio filme compreende uma revolta na cadeia a partir de interesses privados, em uma busca de emancipação por questões coletivos, mas que possui sua gênese individual. Ou seja, Paul Kampf é reducionista e não se compromete em consolidar seu drama no próprio palco que monta, parte da antidialética, focalizando suas partes, ignorando todo. Mas é totalizante na maneira de fincar seus posicionamentos acerca das atitudes individuais, pois o Estado está sempre aliciando o cidadão para que o mesmo se corrompa.
A solução? Redenção à todos, ou quase todos, pois alguns não merecem. Com essa fachada humanista, “O Prisioneiro” viraliza sua ideologia em políticas formais cinematográficas, em fórmulas simples, de dramas construídos à base de uma receita mercadológica e da sintetização do neoliberalismo em gênero cinematográfico. Cristão quando lhe convém, se permite julgar seus personagens, à sua moral, a partir daquilo que é mais confortável para o desenho norte-americano, reduzindo o problema de um Estado imperialista ao sádico personagem. E quando evoca “O passado, se chama assim, pois já passou”, quer criar uma revisão histórica de redenção ao povo do Norte. A verdade que o filme impõe, tá longe da realidade.