O Muro
Triângulo de farsas
Por Vitor Velloso
Cinema Virtual
O idealismo político embebido de moral cristã vem tomando conta dos streaming brasileiros e ganhando notoriedade por sua quantidade e baixa qualidade. “O muro” de Genevieve Anderson é uma espécie de filme universitário em fase de finalização, que tenta acreditar na fé evangelizadora e na política reacionária norte-americana para conceber um meio termo que possa criar um julgamento de caráter em seus personagens. O eixo narrativo que envolve os dois protagonistas investe na relação dúbia de um veterano do exército, repleto de traumas, com uma imigrante mexicana que vai atrás do sonho da liberdade do capital nos EUA, para salvar seu filho em sua terra natal.
As leituras pragmáticas que o longa busca realizar, acompanha todos os estereótipos encaminhados pela indústria ao longo dos anos, mas força uma amizade entre os dois personagens, tentando uma versão histórica contemporânea e de reconciliação de um país que elege o filho de um membro da KKK, na promessa do mesmo levantar um muro que separa os dois países. Depositando uma espécie de alegoria na figura de Kenny, o veterano, o filme parte para um ufanismo conservador às avessas, articulando uma versão distinta do que o Estado formalizou nos últimos anos. Existe um mau-caratismo otimista, que crê na liberdade individual (burguesa) como ponto basilar da sociedade norte-americana. O rumo da prosperidade e salvação é a “terra prometida”, fora da fronteira. O que dá título ao filme é uma “revolução” reacionária individual, prosaica e que serve como ponto de ligação com a realidade, sendo o muro uma propriedade privada à auxílio da fronteira, que com um pouco de sentimento e barba falsa pode ser um “abrigo”.
“O Muro” não parece ter recebido o aval para distribuição, pois soa inacabado, não finalizado. E esse suposto amadorismo na produção, desvia o foco do espectador em diversas situações, principalmente no início da projeção. O timelapse e os múltiplos imigrantes a percorrer o deserto, realça que algumas escolhas apenas atrapalham a experiência. Quem não abandonar o projeto nos primeiros quinze minutos, não será agraciado com grandes surpresas no futuro. Cada movimento narrativo que o filme propõe, é repleto de clichês e estereótipos que são capazes de afastar até o mais fiel companheiro (por ansiedade) dos créditos finais. As previsibilidades estão ligadas a dois pontos da obra: sua limitação intelectual por vias de conservadorismo ufanista e por querer seguir a riscar uma linguagem estruturada pela grande indústria, estando em baixíssimo orçamento. A questão é que cada deslize narrativo e pataquada formal, parece receber um sorriso por sua intencionalidade puritana, um desejo cristão de fazer o bem e representar o bem, que não consegue encontrar similitude nas instituições ali impressas.
De maneira conveniente, os estereótipos caem como máscaras em momentos onde a moral da “terra da prosperidade e da liberdade” são ameaçadas pelos contornos de seus reacionarismo ditados pelos governos passados (que podem ser sintetizados a todos). Os EUA não encontraram uma caquistocracia, por mais que “O Muro” ensaie tal interpretação, de maneira localizada e reduzida. A sociedade é xenófoba, reacionária, violenta e suas forças armadas são reflexos explícitos disso. Por mais que o longa de Genevieve Anderson tente vender a ideia de uma “colheita feliz” para longe dali, na fronteira, a sociedade encontra suas representações nas figuras centrais da narrativa e acaba sintetizando que o ódio e as contradições que levam a decadência dos aparatos reacionários, é o que mantém o próprio filme de pé. Estar em conluio com a forma industrial é ajudar o financiamento de uma engrenagem que engole uma tentativa independente, que estará sem distribuição, por boicote da burguesia cinematográfica.
Ou seja, sem as alianças formais e morais, “O Muro” não encontraria uma distribuição no descarte de streaming no país periférico. Não encontraria uma tela que fosse reproduzir uma obra que não está de acordo com a plataforma do dogmatismo cristão, com uma curadoria que está alinhada com os interesses da burguesia internacional. O colonialismo terceirizado é a pior forma de se manter um imperialismo fantasiado de humanismo.