Mostra Um Curta Por Dia 2025

O Mundo dos Mortos

Mudança de figurino, manutenção de intercâmbio

Por Vitor Velloso

Assistido presencialmente na Mostra de Tiradentes 2025

O Mundo dos Mortos

Mais uma obra da Mostra de Cinema de Tiradentes que se debruça em poesias, auto-reflexão e uma proposta estética que recusa os padrões estabelecidos, “O Mundo dos Mortos”, de Pedro Tavares, é um filme que propõe uma reconciliação consigo, quase como uma redenção particular, parcialmente mencionada pelo diretor no discurso de apresentação do longa antes da exibição no Cine-Tenda. Com declamações de poesia em tom monótono, o espectador é arrastado para um universo que pode até mirar Straub e Huillet, mas resulta em uma experiência arrastada, com interpretações frias e uma leitura quase sonolenta do texto, além de uma proposição formal pouco criativa. Aliás, é curioso como a fotografia de Vinicius Dratovsky consegue construir belos planos, mesmo com uma mise-en-scène tão ancorada em um lugar-comum, destacando ainda mais seus enquadramentos e todo o trabalho de cores do projeto.

“O Mundo dos Mortos” é uma construção morna, de difícil imersão e com situações um tanto constrangedoras, seja pela leitura dessas poesias ou pelas expressões de determinados atores. É compreensível que o projeto tenha complicações — aliás, parece ser um filme realizado entre amigos e com baixo orçamento —, mas esse tipo de sequência é capaz de tirar o público da experiência, suspendendo todo o esforço realizado para tentar adentrar na confusão das poesias e da estrutura entediante. Além disso, a capacidade de abstração diante da constância dos textos torna-se uma inevitabilidade à medida que o acúmulo da leitura se transforma em uma nota uníssona para cada nova cena, mesmo que haja dificuldade em diferenciar suas proposições. A sensação é de estarmos presos em um looping eterno.

É pouco admirável que o filme procure sair de um consenso estético para abraçar outro. Aliás, essa é parte da discussão temática da Mostra, “Que Cinema É Esse?”, que debate rapidamente a formação de outros contextos consensuais estéticos, para além da velha acusação à Hollywood. No texto sobre a Mostra, fiz um adendo à discussão proposta pelos curadores, lembrando Becker, que afirma que “a criação desses sistemas pode tornar-se uma verdadeira indústria em si mesma” (2010, p. 127). Ou seja, por mais que o novo filme de Pedro Tavares seja particularmente disruptivo quando o prisma é o cinema feito pela grande indústria cultural, ele é um sintoma da produção que se estabeleceu em oposição à indústria dominante, sendo pouco criativo em suas formulações e resoluções estéticas. Não por acaso, a sensação de uma constante exaustão é transmitida ao público, não apenas pelo conteúdo das poesias e pelo peso que o cineasta procurou transparecer, mas também pela impressão de estarmos diante de um produto que saturou os circuitos de festivais ao longo dos últimos anos e décadas.

Assim, “O Mundo dos Mortos” pode até refletir parte do “novo” status da Olhos Livres, incluindo a característica errática e desafiadora destacada pela curadoria, porém não se distancia da estetização de outras cinematografias, refletindo uma perda de soberania — não apenas da imagem, como a curadoria acusa, mas também da própria forma de representação e linguagem. Nesse “intercâmbio cultural e de imagens” (Ortiz, 2000, p. 56), a sensação é de que trocamos o referencial de uma cultura dominante por outra, perdendo a identidade que estabeleceu o cinema brasileiro interna e internacionalmente, vestindo um figurino que nos é estranho.

Apesar de parecer um conteúdo programático de uma certa agenda internacionalizante e, de alguma forma, corroborar com uma identidade enviesada, “O Mundo dos Mortos” possui mérito na construção de suas belas imagens, no uso das cores e na investida em uma estrutura de cena que rompe com o estabelecimento normativo dos pontos de vista em relação à objetiva. Novamente, não é algo novo, mas, quando bem feito, é capaz de gerar belas composições a serem debatidas no pós-sessão. Infelizmente, não houve debate para além dessa construção imagética, com muitas pessoas desistindo da sessão e aqueles que ficaram até o final reforçando o tédio provocado durante a projeção. Os mais espertos dos espectadores dividiram a experiência com colegas e amigos através do compartilhamento do consumo etílico, para amenizar a lentidão e, quem sabe, facilitar a imersão em algo tão hermético quanto saturado. Por fim, a Olhos Livres pode até anunciar que a mudança de estatuto visa estabelecer um novo frescor para a competição, mesmo que “não seja um belo e bem composto afresco ou uma figura de economia e rigor conceitual admirável pela clareza das linhas”, mas, na verdade, não oferece nenhuma novidade.

2 Nota do Crítico 5 1

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