Festival Curta Campos do Jordao

O Festival do Amor

Curb Your Rifkin’s Festival

Por Bernardo Castro

O Festival do Amor

“A partir desse dia, terminou o meu romance com meu marido; o sentimento antigo tornou-se uma recordação querida, algo impossível de trazer de volta, e o novo sentimento de amor aos filhos e ao pai dos meus filhos deu início a uma nova vida, de uma felicidade completamente diversa, e que ainda não acabei de viver…” – Felicidade Conjugal, por Liev Tolstói.

Há um que de tolstoiano nas obras de Woody Allen. O olhar de descrença para com a vida em matrimônio, que, em ambos os casos, é tema recorrente de suas obras, é possivelmente o que leva a esta conclusão. Vale, no entanto, ressaltar que, geralmente, há uma carga poética na forma como o fim é retratado, contribuindo para o crescimento e desenvolvimento dos personagens em questão. Não obstante, a trama de Rifkin’s Festvial – ou “O Festival do Amor” para o público brasileiro, gira em torno do mesmo dilema. Neste filme, o diretor, que não só passou por uma separação litigiosa com a atriz Mia Farrow, mas com a ética e o bom senso, tece uma narrativa em volta de um casamento em declive. O longa, assim como Annie Hall, abre com um aparente solilóquio do protagonista, um idoso levemente ranzinza com humor ácido e críticas sempre afiadas. Por mais que haja outro interlocutor, este não participa ativamente da conversa – nem se quer vemos seu rosto com clareza, representando, assim, o espectador.

“O Festival do Amor” acompanha então o ex-professor de cinema Mort Rifkin (Wallace Shawn), uma versão menos carismática, porém intelectual de Larry David em “Curb Your Enthusiasm”, e sua esposa publicitária Sue (Gina Gershon) enquanto estão no Festival de San Sebastián, Espanha. Com o casamento próximo ao fim, ambos começam a se desvincular e veem o interesse um pelo outro diminuindo conforme surge um interesse por outras pessoas. Além da dinâmica Capitu e Bentinho que dá corda a trama nos primeiros atos, teia de aranha não se limita aí: a médica pela qual Mort se apaixona vive um relacionamento conturbado com o marido artista, que constantemente a trai, escorando-se em seu chamado para as artes plásticas. Em meio à esta conturbada trama de encontros e desencontros, o realizador americano satiriza a alta cultura e os intelectuais de diversas artes, principalmente do cinema.

A comédia é bem trabalhada. O humor não é pastelão e as críticas são trabalhadas com sutileza, e não regurgitadas na cara do expectador. Todavia, a maioria das referências é um pouco “jogada” muitas vezes, com Mort frequentemente fazendo alusão a obras das mais diversas artes sem que haja nenhuma contribuição significativa para a evolução dos diálogos ou da história. Quanto a fotografia, o filme apresenta algumas limitações técnicas em relação ao resto da filmografia de Woody Allen, muito provavelmente pelo boicote que o próprio sofre em decorrência do recente escândalo. Porém, não deixa a desejar, com bonitos planos sequências e transições suaves, o realizador preferiu abdicar do uso constante de cortes para dar mais fluidez e tirar uma certa beleza das imagens. A miscelânea de referências é o grande destaque do filme. Para contar a trama, o cineasta usufrui de uma homenagem onírica aos clássicos do cinema que marcaram a segunda metade do século passado. Dentre as principais referências, as que mais se destacam são as de “Jules e Jim – Uma Mulher Para Dois”, de François Truffaut, “Cidadão Kane”, de Orson Welles, “8 ½”, de Federico Fellini, dentre outros. O filme não é tão pretensioso – palavra esta que é repetida com uma certa frequência ao longo do filme, diferente de outras obras do diretor como “Annie Hall – Noivo Neurótico, Noiva Nervosa”.

As atuações fazem o seu papel. Nada muito elaboradas, mas conseguem traduzir bem a ideia de “O Festival do Amor”. São, entretanto, personagens com os quais o espectador comum pode se relacionar, sendo todos eles pessoas comuns bem desenvolvidos ao longo da trama. Menção honrosa para Christopher Waltz no papel de Morte na cena que simula o clássico “O Sétimo Selo”, de Ingmar Bergman. Mesmo não sendo a melhor atuação de sua carreira, ele entrega o ar cômico que a história necessitava em seu último quarto. A trilha sonora também, a prior, não brilha tanto. A música de fundo da maior parte das cenas lembra o supracitado Curb Your Enthusiasm, reiterando ainda mais as comparações. Há, todavia, um ponto interessante a se destacar: a música de encerramento e introdução, aparentemente inocente, resume todo o filme: Dream Your Problems Away.

3 Nota do Crítico 5 1

Conteúdo Adicional

Pix Vertentes do Cinema

Deixe uma resposta