O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final
Morte como Exceção
Por Jorge Cruz
O espectador, ao iniciar sua jornada em “O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final”, já sabe que três bilhões de pessoas morrerão no pior dia da história da Humanidade no ano de 1997. James Cameron, assim como no longa-metragem original, traz um pouco do que seria a Rebelião das Máquinas, momentos de pura ficção científica, que logo perdem terreno para a ambientação no presente, tempo que a franquia não abre mão. Dessa vez, a contribuição de Brad Fiedel na trilha sonora se faz mais presente, com um trabalho bem mais marcante.
Como “O Exterminador do Futuro” arrecadou mais de doze vezes o que custou (Cameron fez 78,4 milhões de dólares de bilheterias com um orçamento de 6,4 milhões), a produção dessa continuação foi a primeira na História do Cinema a ultrapassar custo superior a 100 milhões, terminando sua campanha como a terceira maior arrecadação de seu tempo. Ainda entregou os efeitos especiais mais incríveis que o cinema havia presenciado até então e venceu o Oscar em quatro categorias: maquiagem, som, edição de som e efeitos visuais.
A inversão de papel da figura de Arnold Schwarzenegger até hoje é o que mais funciona na experiência de maratonar a franquia. A maneira como o roteiro de Cameron e William Wisher se preocupa em reinserir o Exterminador da mesma maneira que o filme anterior, contando com o auxílio da canção Bad to the Bone de George Thorogood, nos faz reviver a época de seu lançamento – mesmo que hoje o longa-metragem faça parte do imaginário popular. Conhecendo mais a fundo o arco dos personagens, é interessante acompanhar como é traçada a história de Sarah Connor (Linda Hamilton). A partir do momento que ela tem ciência do seu destino, sua postura anti-tecnologia e alarmista em relação ao futuro a transforma em uma pária da sociedade, a ponto de ser internada em um hospital psiquiátrico.
Saindo de uma premissa comum aos grandes projeto do cineasta – a de que é possível contrariar o próprio destino e tentar alterá-lo de alguma forma – “O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final” talvez seja o que consiga destilar esse pensamento de forma mais simples e eficiente. Sem deixar de criar as amarras sentimentais típicas dos blockbusters, Cameron avança um pouco na construção dramática, mesmo que o apontamento de Sarah como protagonista seja mais por aclamação do público do que por fundamentação do roteiro. Os responsáveis pela franquia talvez não soubessem que estavam diante de um conjunto de histórias que materializam a força feminina, mesmo que teimando em não inseri-las de vez às convenções do mundo entendido como masculino. O sexto filme da série, lançado em 2019, finalmente abraçará essa tendência, reparando a atitude negacionista de seus próprios êxitos.
Quando focado nos dois ciborgues do futuro, o Exterminador e T-1000 (Robert Patrick), o texto consegue brincar com os estereótipos. Em uma Los Angeles bem menos suja e mais distante da “distopia do presente” imaginada nas produções oitentistas, o musculoso de fuzil é aquele que defende o adolescente indefeso enquanto que o policial, de traços mais humanizados e com uma simples pistola, se revela a máquina de matar a qualquer custo. Talvez a cena mais datada em relação aos efeitos visuais seja a que mais causou assombro na metade da década de 1990: quando T-1000 é todo cravejado de balas pela primeira vez e se regenera. Uma maneira do filme nos mastigar a representação do Exterminador como herói se dá justamente na forma como a regeneração é utilizada. Enquanto que Schwarzenegger mal é visto nessa situação, Patrick aparece a todo momento retomando seu status quo, como um grande assassino de filmes de terror.
Com perseguições de carros mais realistas, porém de ritmo mais cadenciado, o segundo filme da franquia é mais parecido com uma narrativa épica do que a maioria das produções que se ancoram no gênero de ação. Mesmo com mais cortes entre cenas, tem um sucessão de eventos que nos leva a um ciclo extenso daqueles personagens. Talvez a plateia mais jovem sinta um pouco a falta de dinamismo. Na base de sua construção estética, o filme amplia seu cânone de maneira aguda, indo contra o pragmatismo clássico de produções da década que o antecederam. Vale lembrar que esse longa-metragem ditou o ritmo como as ficções científicas tomaram o mercado até que se cansassem da fórmula.
Algumas escolhas de direção incomodam o olhar mais atento às representações atuais. Há uma arma sendo apontada para a cabeça de uma criança, por exemplo. Uma obra que abdica de ser realista não demanda esse tipo de situação. Por outro lado, há certa beleza na definição de John Connor (Edward Furlong) como um pacifista quando, desde o início de sua interação com seu protetor, convenciona como regra geral do Exterminador a não letalidade. Ao mesmo tempo “O Exterminador do Futuro 2: O Julgamento Final” espelha a obra original ao trazer o filho de Sarah questionando suas eventuais escolhas do futuro a partir das informações que recebe. É como se não pudéssemos imaginar o caminho que traçaremos na vida ao saber apenas como estaremos daqui a vinte anos.
Pinçando algumas gags pontuais, passa longe do deboche excessivo dos filmes populares atuais. Conta com uma batalha final catártica, entregando toda a devastação que seu polpudo orçamento permitiria oferecer em um ato final grandioso e cheio de reviravoltas. Um longa-metragem que sobrevive à passagem do tempo, como toda grande obra de James Cameron. Nunca deixou de ser cultuada e, passados quase trinta anos, segue como referência não apenas para sua própria franquia como para o cinema comercial norte americano como um todo.