O Escândalo
Contra a toca dos lobos
Por Fabricio Duque
Durante o Festival do Rio 2019
Exibido como filme de encerramento do Festival do Rio 2019, e agora figurando nas categorias principais das premiações de cinema, “O Escândalo” é sobre o empoderamento feminino no meio do jornalismo americano contra os abusos sexuais dos superiores-chefes-deuses. Não há como não perceber uma alusão à história do produtor Harvey Weinstein, o “Deus” de Hollywood.
Dirigido por Jay Roach (de “Austin Powers: 000, um Agente Nada Discreto”, “Entrando numa Fria Maior Ainda”), “O Escândalo” busca conduzir o espectador pela estrutura narrativa (tom verborrágico e edição ágil nos cortes ultra-rápidos, que chegam a confundir a atenção e o foco) de um de seus filmes anteriores “Trumbo – A Lista Negra” conjugado com o gênero investigativo-dossiê de cunho pessoal, como “Erin Brockovich – Uma Mulher de Talento”, de Steven Soderbergh. O realizador é homem, heterossexual, branco, rico e importante figura da indústria cinematográfica. A pergunta que se faz imediatamente é: Será que as feministas do #metoo irão implicar? Não sei, mas algumas críticas já se posicionaram contra.
O longa-metragem, com o trio de peso (Charlize Theron, Nicole Kidman e Margot Robbie) é uma “dramatização inspirada em fatos reais” sobre apresentadoras de televisão, que para conseguirem a ascensão social do status âncora, precisam se submeter às regras machistas (e o assédio sexual de Roger – o ator John Lithgow – “atrevido, discreto e implacável” “teste do sofá”, igual, por exemplo, à cena em que uma “sonhadora” ambiciosa é “estimulada” a levantar a calcinha para deleite de seu empregador, que vê o “currículo como mídia visual”), padronizando-se suas aparências e tolerando picardias não respeitosas (inclusive com seus talentos, como a entrevista com o “sexista” Donald Trump, ainda candidato à presidência – “depreciativo no linguajar sobre as mulheres”).
Sim, é um filme denúncia e o que se quer debater é o silêncio das vítimas, que por medo de perder seus empregos (acabar com suas carreiras) e/ou da estigmatização, mantêm-se caladas como se nada tivesse acontecido pela “cantada inocente”. Acusadas de “raiva menstrual” por “achar” que são tratadas como objeto sexual. São humilhadas pelo simples fato de serem mulheres e se submetem a tudo pelo sucesso.
“O Escândalo” é acima de tudo um filme ativista. De ligamentos políticos. Contra o “câncer” da massificação do imaginário popular. De mulheres contra a supremacia masculina (com suas piadas homofóbicas, preconceituosas, conservadoras e “limitadas”, quase infantis), que não querem o rótulo de feministas, apenas lutar por seus direitos. Mas que no fundo os “perdoam” por suas ingenuidades e seus instintos fisiológicos de “macho para transar”.
A narrativa também busca a modernização com suas interferências da metalinguagem, quando uma das personagens explica tim-tim por tim-tim olhando diretamente para a câmera (e/ou quando ouvimos seus pensamentos impublicáveis e imediatos), que por sua vez é o próprio público, como se fosse um grande documentário dos bastidores, um que mais sério e mais dramático da forma mockumentary. É tudo sobre o por trás do poder. Sobre “Não respirar” e sobre “desligar o cérebro às vezes”.
Entre paranoia com café envenenado, supresa com acusações e debates instigantes-inflamados, “O Escândalo” trata sobre jornalistas que “odeiam se tornar matérias”. “Ninguém ganha nada processando a Fox News”, diz-se. Será? Com precipitações, ataques, jogos, sustos, fofocas, intimidações, processos, réplicas, tréplicas, lésbicas democratas (que prosperam em ambientes tóxicos) e lealdades solidárias até certo ponto (vide o ambiente “louco”, competitivo e tensionado). São mulheres coadjuvantes no mundo dos homens, que “têm que ser gostosas” e tolerar com cumplicidade o tiroteiro das “máquina de insultos”, como o “arroz de festa republicana”. “Lealdade causa trauma”, “ensina-se”. Sem a opção do “disk denúncia”.
Mesmo sem querer, “O Escândalo” levanta uma auto-análise comportamental diária do povo americano: a de se policiar o tempo todo com confusos maniqueísmos instaurados. Cada um deles e delas são pressionados pelo limite do que podem fazer e do que nunca se deve nem pensar. De sentir a auto-piedade passivo-defensiva como um descanso da jornada diária. De potencializar ao extremo uma frágil sensibilidade vitimada que se impõe pelo enfrentamento midiático e não pelo existencial. Há quem diga que vivem mais para se mostrar aos outros. Uma “violentou-se por sucesso e se sente imunda”.
Desmandos, guerras, “capuz esquisito”, “sushi como comida liberal”, “Fla Flu político”, o longa-metragem é sobre dar voz às “mais fracas do rebanho”. É sobre não mais “colaborar”. “Condescendência ou luta!, o lema. Sobre negociações e aumentar a confiança das mulheres padronizadas e sexualizadas, com marcas nos pés por causa dos saltos altos. Sobre o “silêncio não representa”.
A cena em que a atriz Margot Robbie chora quando encontra esperança é uma dos pontos altos do filme, quiça o melhor, tanto que arrebatou o Troféu Vertentes do Cinema como a Melhor Cena do Festival do Rio 2019. “O Escândalo” é sim um filme denúncia, mas tanto que coloca fogo demais no discurso, cavando chocar o espectador pela emoção humana. O filme está longe de ser ruim, e ainda que tenha estrutura tipicamente americana de longas que querem ser indicados ao Oscar, consegue contextualizar seu objetivo primário, que é o confronto entre mulheres na “toca dos lobos”. Talvez esse texto se explique, porque foi escrito por um homem. Será que precisamos de verdade segmentar gêneros? Pergunta retórica destinada aos leitores.