O Conde de Monte Cristo
Onde acaba a justiça e onde começa a vingança?
Por Bê Oliveira
Festival de Cannes 2024
A mais recente adaptação de “O Conde de Monte Cristo”, dirigida por Alexandre de La Patellière e Matthieu Delaporte, que também participaram da produção do recente filme dos três mosqueteiros, teve sua estreia no 77º Festival de Cannes, representado um marco cinematográfico de 2024 em seu país de origem. Este novo filme francês, baseado no célebre romance de Alexandre Dumas, oferece uma interpretação bem profunda de uma história que data quase 200 anos de existência que atravessou gerações.
Nessa história que nos traz uma tragédia shakespeariana com doses de melodrama, nós acompanhamos Edmond Dantès (o ator Pierre Niney) um jovem marinheiro que, após salvar uma mulher misteriosa que se afogava num naufrágio, é promovido a capitão. Permitindo-o fazer planos de se casar com o amor da sua vida, Mercedes (a atriz Anaïs Demoustier), também desperta a inveja de seu primo e do então capitão do navio, Danglars (Patrick Mille), que, em complô, o acusam de traição à pátria e Dantès é preso injustamente. Após anos no cárcere, Dantés faz amizade com um prisioneiro, Abade Faria (Pierfrancesco Favino) que lhe conta sobre o tesouro secreto de Monte Cristo. Uma década depois, quando consegue finalmente escapar, Dantès só pensa em se apossar dessa fortuna e ir em busca de sua vingança meticulosa, mas agora através da identidade: “O Conde de Monte Cristo”.
Os diretores optam por uma abordagem visualmente deslumbrante, em planos extremamente abertos, com inúmeros figurantes e transeuntes para dar vida a essa França do Século XIX, e com efeitos hollywoodianos de tempestade para abrir o filme (já com a emoção no alto). Uma estética que mistura o ar social e aristocrata com o glamour que a nobreza esbanja em jantares e bailes por motivo algum. Desde a primeira adaptação cinematográfica em 1908, “O Conde de Monte Cristo” tem sido um desafio e uma inspiração para o cinema. Esta nova versão destaca-se não apenas pelo orçamento considerável (cerca de 43 milhões de euros), mas também pela fidelidade ao espírito da obra de Dumas, que escreveu o romance primeiramente em forma de folhetins e depois em forma de livro entre 1844 e 1846. Curiosamente, a produção exigiu preparação física intensa do elenco; Niney, por exemplo, treinou esgrima e mergulho em apneia para cenas cruciais.
Além disso, essa adaptação, em questão aqui, difere das anteriores ao investir em uma construção narrativa focada no desenvolvimento psicológico das personagens secundárias. Danglars, Villefort e Fernand, os principais antagonistas, recebem atenção especial, contribuindo para uma trama mais densa e envolvente. “O Conde de Monte Cristo” também evita estereótipos comuns de heróis e vilões, o que intensifica a complexidade da vingança de Dantès que teria tudo para se debruçar no maniqueísmo mas ao invés traz nuances e tons de cinza para quase todos os personagens. A obra original, publicada no contexto da França pós-napoleônica, explora temas universais de injustiça, traição e redenção, que permanecem relevantes.
Esta nova versão não só respeita a essência do texto de Dumas, mas também dialoga com questões contemporâneas, como a busca por identidade e a natureza da justiça e o quanto a usamos para justificar nossos próprios anseios. Reforça-se a atemporalidade da narrativa, confirmando que, quase dois séculos após sua publicação, “O Conde de Monte Cristo” continua a ressoar na nossa sociedade. Em resumo, esta é uma realização cinematográfica impactante que acaba se estendendo um pouco mais do que precisava, mas nada que de fato atrapalhe a experiência . Reafirma-se então a vitalidade de um clássico da literatura, combinando fidelidade histórica com uma execução visualmente moderna.
É, sem dúvida, uma experiência que merece ser vivida no cinema, tanto pela grandiosidade estética quanto pela profundidade narrativa que oferece. A nova leitura de “O Conde de Monte Cristo” revela como um enredo atemporal pode ser reimaginado de maneira inventiva. A produção explora de forma aprofundada os vínculos entre os personagens e os dilemas éticos que os envolvem. O roteiro enfatiza as consequências das ações individuais, abordando temas como retaliação e redenção. Com um olhar atual, o filme provoca uma análise sobre o sentido da equidade e os limites que cada um pode transpor para buscá-la. Dessa maneira, a adaptação renova a contribuição de Dumas, oferecendo uma narrativa instigante e pertinente para públicos de hoje, mantendo o impacto emocional original.