O Conde
A fuga biográfica
Por Vitor Velloso
Festival de Veneza 2023
Pablo Larraín é um daqueles diretores que são capazes de manter o prestígio no meio cinéfilo e da crítica por conta de determinados filmes que conseguiram destaque em algum momento de sua carreira. “O Conde”, seu novo longa, mais uma etapa de sua obsessão por biografias, procura um desenvolvimento de personagem menos maniqueísta e tende a satirizar parte do horror da figura de Pinochet para criar algum tipo de escape dramático, flertando com algum grau de surrealismo e comédia.
O projeto possui um conceito que soa interessante em um primeiro momento, trabalhar com a figura do genocida para sintetizar uma espécie de personalidade autoritária reencontrando uma humanidade após séculos de existência, como um vampiro. O problema é que esse movimento meio Iñarritu em “Bardo” (2022), revela as mesmas deficiências de uma proposta que assume a analogia como ponto de reflexão, a fragilidade argumentativa. Está claro que Larraín é um autor que prefere às biografias que a discussão em si (Adorno já alertava sobre essa tendência da modernidade cem anos atrás), o que demonstra suas intenções no trato com a História. Não por acaso, “Jackie” (2016), “Neruda” (2016) e “Spencer” (2021), sofrem do mesmo preciosismo quanto à figura e o descaso na construção minuciosa de qualquer outro detalhe concreto. Mesmo em “O Conde”, onde o protagonista é uma figura execrável, demoníaca (com o perdão do trocadilho) e horrenda, Larraín segue procurando os traços pessoais que lhe interessam, como quem procura defender um projeto a partir do desenvolvimento do personagem antes mesmo de uma estrutura narrativa.
Se nos projetos anteriores do cineasta, o deslumbre estético podia sustentar a lentidão e o profundo desinteresse do espectador nesse lodo de melancolia preguiçosa, a chegada de Larraín a Hollywood parece intensificar sua verve pela busca da fotografia invés do filme. E essa afirmação não diz respeito à fotografia assinada por Edward Lachman, de intensa beleza e contrastes realmente impressionantes, e sim à sua perspectiva de recorte, que prioriza sua formulação estética. Não por acaso, existem inúmeras cenas descartáveis que tem como objetivo chamar a atenção do público para um quadro particular, um frame que poderia sintetizar aquela personalidade ou mesmo a obra. Justamente por isso que “O Conde” se esvazia, por deixar de lado a construção dramática para focar em blocos de cenas ou diálogos expositivos que dão conta de dissecar o longa inteiro. Por essa razão, o espectador pode notar viradas abruptas na percepção de determinados personagens, guinadas absurdas na forma cômica de algumas falas e a perda de direção nos caminhos inicialmente traçados.
A introdução da personagem Carmencita (Paula Luchsinger) expõe a tragédia de sua presença para arrancar algum grau de interesse no processo. Ao alertar que ela é o “fim de tudo” e é uma figura diabólica, o diretor revela o grau de proximidade da narradora em off com a família de Pinochet, pois até então poderíamos apenas concluir que tratava-se de uma reacionária defensora da ditadura e da figura do dito cujo. Contudo, essa estratégia de delegar à narração algum tipo de condução dramática exterior à projeção, só funciona nos primeiros minutos, onde toda a introdução apresenta a origem de um Pinochet francês que veio parar na América Latina após decidir que sua missão de “vida” seria tornar-se rei de uma terra sem reis. Logo, Larraín expõe sua vergonha de compreender os meandros da complexa história de seu país e da figura que o destruiu, assumindo o papel covarde de satirizar a partir de acontecimentos exteriores e justificar qualquer o ponto de vista de sua obra.
“O Conde” é mais um projeto que demonstra o quanto Larraín se perdeu na própria cinematografia e como a partir de 2016 têm sido difícil acompanhá-lo, seja pela idealização ideológica de Jackie e midiática em “Jackie”, pela falta de cuidado com as polêmicas em “Neruda” ou mesmo pela propaganda de perfume melancólico em “Spencer”. Os três filmes com problemas gravíssimos de ritmo demonstram que sua chegada à Hollywood fez muito mal à verve que inicialmente agradou um seleto público que decidiu depositar as fichas da esperança em sua figura.
Aquele cineasta de “Tony Manero” (2008), “Pos Mortem” (2010) e “No” (2012) parece estar perdido em devaneios Iñarritescos, sem saber mais por onde caminha. Pelo menos o Iñarritu fez uma espécie de mea culpa em “Bardo” (2022), talvez esse seja o próximo passo de Larraín.
1 Comentário para "O Conde"
Blá-blá-blá-blá-blá!
Além de estar disponível numa das maiores plade filmes, o filme do cara tá concorrendo ao Oscar. Dirão/dirás “grande coisa”. É grande coisa mesmo. Abraço!