O Colecionador
Exibicionismo europeizado
Por Vitor Velloso
Durante o Anima Mundi 2019
Os primeiros minutos de “O Colecionador” são o suficiente para criar uma atmosfera de estranhamento constante, já que remete ao terror, com uma animação chapada, onde apenas o trem está em 3D. As questões imagéticas são de máxima importância na construção do projeto, utilizando referências em larga escala para compor uma unidade.
Dirigido por Milorad Krstić, o filme vai concretizar suas possibilidades estéticas nas artes plásticas, unificando, na medida do possível, sua forma fílmica com diversos quadros e estilos de autores consagrados.
O problema está exatamente no excesso que a ideia possui, que acaba limitando a linguagem à questões pouco originais, já que o tempo inteiro deve-se pensar através do pincel de alguém e não da câmera do diretor, além do mais vê-se que o roteiro entra em segundo plano, o que prejudica gravemente o andamento de um thriller/suspense, desta maneira, algumas resoluções nas investigações da trama são patéticas e desconcertantes.
E os personagens de “O Colecionador” não possuem empatia alguma, pois suas motivações são unilaterais e a construção de suas personalidades é breve. Krstić aparenta possuir duas coisas em mente, suas referências constantes e uma necessidade de uma tentativa de aprofundamento em questões psicológicas de traumas.
Quanto mais observamos o progresso da narrativa, torna-se latente que a escolha de investir nas nuances de plasticidade da imagem vai moldando o projeto à um acompanhamento de apoio em uma falta de discurso, logo o espectador fica refém dessa artimanha pouco pragmática, prendendo-se em um limbo de repetições e estoicismo, que em um primeiro momento é interessante por trabalhar a partir de um rigor plástico vigoroso, mas que se repete em poucas faces.
Contudo, a história pouco convencional vai construindo uma breve sedução acerca de acontecimentos práticos, com perseguições acrobáticas, sempre acompanhadas de resoluções clichês mas que adicionam ao gênero uma perspectiva de moldura.
O absurdo da conjuntura que se dá na relação do investigador, da ladra e do psicoterapeuta, além da obsessão deste, consegue manter o público minimamente interessado, já que visualmente os estímulos possuem altos e baixos, vide inexpressividade do diretor na forma fílmica, com sua relação burocrática com referências.
Mas o senso comum do roteiro, conforme avança, torna a experiência excessivamente longa e convence de maneira negativa que trata-se de uma mesmice com ares pomposos.
Personagens chapadas, imóveis, com inclinações a Picasso vão permitindo que a monotonia seja driblada com menos dificuldade. E acertos maiores são retirados única exclusivamente destas questões citadas. Não que seja um mar de falhas, mas o esgotamento de possibilidades, acreditando ser uma originalidade acima da real, não mantém um projeto sólido, mas sim repleto de fragilidades e irregularidades na estrutura e forma.
Se ao menos houvesse intercâmbio no campo artístico, ou uma verve maior do diretor em fixar seu olhar diante do próprio filme, sem dúvida teríamos um longa que se ergueria ao único. É o problema da colagem referencial, pois ainda que não seja feita à esmo e haja possíveis necessidades na aplicação, não é possível enxergar o autor por trás.
Neste caso específico, a saída é manter-se em questões da psique geral do protagonista e mergulhar na doutrina autoral aqui entregue, semi obsessiva, mas o exercício, novamente, se perde, desta vez em egocentrismo na esfera macro do filme, já que não vemos o discurso em si, mas sim breves lampejos no espelho criado no protagonista e na forma.
Paradoxalmente ele se esconde em autores consagrados, quase admitindo uma inferioridade, mas se expõe de maneira quase exibicionista com uma pessoalidade pouco agregadora.
Na superfície “O Colecionador” soa interessante, mas conforme pensamos sobre, menos intrigados ficamos, com isso, surge uma atitude de recusa direta às vaidades de um diretor que pouco se permite em criação, mas decide posar como quem confia na imagem acima de si, mas sob seu controle. De pouco em pouco, apenas preguiça nos resta, do fálico processo dúbio que ele tenta imprimir na tela, consciente ou não, ele faz tudo aquilo que causava ojeriza nos autores que tanto reverencia.