Festival Curta Campos do Jordao

O Bastardo

Desafio nos campos pedregosos e ao redor

Por Pedro Sales

Festival de Veneza 2023

O Bastardo

Urzal é um terreno árido, pedregoso cobertos de urze, planta com germinação quase espontânea em terrenos pobres em calcário. A região da Jutlândia, na Dinamarca, era amplamente coberta por essa formação vegetal. Assim, grande porção do norte do país era improdutiva. A despeito das tentativas de outros homens, a terra, por bastante tempo, permaneceu dura, infértil e inutilizável. A mudança surge quando um homem, o capitão Ludvig Kahlen (Mads Mikkelsen), cria coragem para enfrentar o solo pedregoso e propor a fertilização daquela terra com recursos próprios. É calcado neste desafio entre homem e natureza que o diretor Nikolaj Arcel estabelece o drama histórico “O Bastardo”. Representante da Dinamarca no Oscar 2023, o longa apareceu na pré-lista de indicados à categoria Filme Internacional. Apesar disso, não ficou entre os cinco escolhidos.

Dinamarca, 1755. Diferentemente do Brasil, onde uma semente cai e facilmente frutifica – por uma combinação climática e de biodiversidade -, nos países nórdicos a questão da infertilidade do solo sempre foi um problema. Toda a questão das incursões vikings, por exemplo, perpassa a necessidade de terras agricultáveis. No século XVIII, porém, a aceitação da terra infrutífera já parecia ser uma questão com martelo batido. Para um homem, não. Aposentado do Exército, o capitão Ludvig Kahlen se lança na Jutlândia, sozinho, para tentar cultivar o terreno. Além de enfrentar a própria natureza, ele descobre que outro inimigo é seu vizinho, o nobre Frederik De Schinkel (Simon Bennebjerg), que com o fracasso de Kahlen vê o caminho aberto para se apossar das terras.

Portanto, em “O Bastardo“, Nikolaj Arcel estabelece uma dicotomia entre o desafio natural e a disputa política pelas terras, que se estende também em outros níveis. A primeira metade foca neste primeiro desafio, desde a licença para usar o urzal, a promessa de título de nobreza em caso de sucesso, até o tratamento do solo. Os planos gerais destacam o tamanho do desafio com a paisagem coberta de urze. Neste momento a figura de Kahlen é construída como um homem sisudo, irredutível e por vezes tirânico, quando agride seus funcionários e os expulsa. Mads Mikkelsen, ator que colaborou com Thomas Vinterberg e se lançou em Hollywood com a série “Hannibal”, incorpora bem essas características e expõe o lado cinzento do personagem. Da grosseria ao preconceito com a pequena Anmai Mus (Melina Hagberg), uma menina que vive nas florestas em acampamento de ciganos. Porém, Arcel consegue contrapor essa rigidez com a determinação, complexifica o personagem e expõe suas qualidades ao contrastar ele com o vizinho De Schinkel.

Genuinamente tirânico e cruel, De Schinkel usa todo poder e influência para minar o empreendimento de Kahlen. Aos poucos, a maldade dele ultrapassa o público e se estende ao privado, com punições que afetam o capitão emocionalmente. A dramaticidade evocada no longa se apoia também nas perda de Ann Barbara (Amanda Collin) e na chegada do inverno rigoroso que põe a plantação em risco. Junto deste drama, a obra por vezes dá uma guinada à ação, sobretudo pela frontalidade nas cenas com violência. A tortura que é colocada em cena, mas também fora do campo, com gritos que se amalgamam ao coral infantil, é um desses exemplos. O trabalho de câmera propõe, nesse sentido, uma carga de tensão pelo uso do plano sequência em uma ação militar furtiva de Kahlen contra os capangas de De Schinkel.

O Bastardo” consegue ser uma obra histórica com excelente ambientação. A direção de arte demonstra um cuidado muito pontuado com essa construção. A fotografia calcada em iluminação natural também reforça este aspecto do longa, seja nas internas com velas ou nas externas com contraluz, no fogo ou no luar. Para além de fatores técnicos da obra que a destacam, há aqui pela condução de Arcel uma mescla de gêneros, mas também um bom aproveitamento dos atores. O drama divide espaço com ação, como já foi dito. No entanto, há também momentos em que constrói-se um senso de esperança, sobretudo quando a colheita começa e Kahlen, Anmai Mus e Ann Barbara tornam-se mais próximos. A tensão, por sua vez, surge do embate entre Kahlen e De Schinkel, ambos atores se sobressaem no longa, um pela altivez determinada e outro pela loucura caótica. Mesmo com um ritmo irregular, principalmente pela redundância do texto em alguns momentos, Nikolaj Arcel emociona o espectador, o deixa tenso e o desafia com a violência gráfica pontual, mas potente.

3 Nota do Crítico 5 1

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