Curta Paranagua 2024

O Aprendiz

Entre deals polêmicos e polarizados

Por Fabricio Duque

Assistido durante o Festival de Cannes 2024

O Aprendiz

Exibido aqui na mostra competitiva oficial a Palma de Ouro do Festival de Cannes 2024, “O Aprendiz”, do realizador Ali Abassi (de “Border”, “Holy Spider”), que é iraniano e depois imigrou para estudar na Dinamarca, constrói “curiosamente” toda sua essência na polarização politica estadunidense. Essa criação e seu desenvolvimento fortalecem a ideia da divisão entre lados, em que comoções sócio-subjetivas ditam o sim e o não. Dessa forma, sabendo que cada vez os “ânimos” estão muito exaltados, quase comparativamente a torcidas radicais de futebol, logo é inevitável que se desencadeie a polêmica desde sua gênese criativa (talvez no primeiro pensamento de seu argumento), quando se traz vida e obra (do antes de onde tudo que começou) de Donald Trump, um das figuras político-midiáticas mais controversas da História, e quando escolhe que seu roteiro seguiria pela forma da humanização intimista narrativa (em que o macro é “domesticado” por ações do micro). 

Em “O Aprendiz” é mostrado causa, efeito, fins e meios do próprio querer-sonho desse ser-personagem que foi o presidente dos Estados Unidos da América. Este é um filme que busca normalizar o entendimento das influências, das motivações, dos propósitos e das “permissões” (nas “brechas” da lei) de Trump. Nós somos conduzidos pela máxima do imaginário popular mundial, que crê na fama, na imagem e na riqueza, porque “pobre nunca terá futuro”. Sim, o que o longa-metragem quer dizer é que é o próprio povo o problema. De alimentar preconceitos enraizados,  talvez por ter medo (e trabalho) de mudá-los. Trump (vivido em caracterização idêntica pelo ator Sebastian Stan) aqui é um “joguete”. Um aluno aplicado nos ensinamentos recebidos de seu mentor-protegido, o advogado Roy Cohn, interpretado por Jeremy Strong, que, por coincidência ou não, “repete” a mesma estrutura temática de sua personagem Kendall Roy no seriado da HBO “Succession”. 

O Trump daqui, obcecado em ser bilionário e viver o mundo dos ricos, cumpre missões sem se questionar os porquês de cada jogada lobista, de cada acordo antiético, de cada necessidade de “não ter mais alma”, de cada artimanha, de cada mentira-trapaça e no final conseguir se livrar de processos e prisões. Sim, Trump é o exato retrato de um americano, que opta mais pela superfície da aparência, formalidade e protocolos que pela profundidade do conteúdo recebido. Esse povo aprendeu ser o melhor (principalmente nas palavras de Hillary Clinton em uma de suas entrevistas: “Nos não somos perfeitos, mas somos excepcionais”), dentro da estrutura d e sempre pedir desculpa e por “tabela” já esperar a absolvição. Não importa o erro, ao se confessar, o perdão está garantido.

“O Aprendiz” quer se apresentar como uma obra nostálgica. Sua fotografia imprime em tela o efeito granulado na imagem, para assim nos transportar à época dos anos setentista e sua estrutura cinematográfica à moda do movimento Blaxploitation (isso talvez seja uma crítica-tabu, visto que o mote do filme é ser de empresários brancos para brancos). O Trump daqui é “fruto” de todas as motivações que “recebeu” e ouviu: “Você pode mudar o Mundo”. Além do pai autoritário. Sim, era um mundo dominado pelo “medo da instauração do Comunismo”, que “clamava” por mudanças. Um mundo de “cafetões e prostitutas (oferecidas à luz do dia)”. Um mundo da política que dava poder total a seus governantes (uma imunidade parlamentar para “reinar” sem interferências de seus “súditos”). Mas “O Aprendiz” não para por aí. Quer humanizar ainda mais o Trump. Não pela ideia de seu mentor ser homossexual, mas pela desculpa, mais “vitimada”, de que ele foi levado a ser assim, inclusive suas ofensas a mulheres e a pessoas pretas. Esse “racismo” é visto como uma “condição” patológica por repetição (como se fosse uma lavagem cerebral). “Eu conserto o que os outros não conseguem”, diz-se. 

A narrativa “O Aprendiz” é extremamente naturalista e coloquial ao abordar um cotidiano real, orgânico, próximo e identificável. É também um filme observacional pela perspectiva de Trump. Que analisa tudo ao redor. Capta cada “teste” de chantagem. Sim, ele vive a prática da universidade da “vida”. Ele grava tudo para ter provas, porque acredita que todo mundo tem “podres” escondidos. “Você tem que fazer de tudo para ganhar; tem que estar disposto, fazer dinheiro é arte”, ouve enquanto ganha um terno novo. O longa-metragem vai aos poucos construindo sua metamorfose de “bom moço normal” em um empresário-político articulado, manipulador, sem “escrúpulos”, com o visual icônico sempre “bronzeado”, que fez uma operação para se libertar do “estágio antigo” e que fica “horrorizado com gays transando”. “Atacar, atacar”, diz-se entre “instinto de matador” e “sempre vitória, nunca defensiva”. 

A mensagem de “O Aprendiz” é que a América é o problema. Que trata todos como clientes. E Trump entendeu isso: money, money e money. Um parênteses: o nome do filme pode também ser lembrado como o programa de Roberto Justus, que também rico, despedia pessoas com requintes de crueldade. “O Aprendiz” é envolto em uma câmera na mão para nos colocar dentro desse meio arrogante, tóxico, de corrupção, de ambição desenfreada, sem empatia, implacável, sem decência alguma, visceral, sem vergonha, sem piedade. Sim, o filme consegue traduzir e colocar tudo isso em sua mise-en-scène de “acordos” em um “mundo-bagunça”. Sim, “O Aprendiz” entrega tudo o que o prometeu com uma irretocável direção de arte e com interpretações cirúrgicas super realistas. 

4 Nota do Crítico 5 1

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