Not Dead
O Norte do Nordeste
Por Vitor Velloso
Durante a Mostra de Cinema de Tiradentes 2024
Para muitos, um dos títulos mais aguardados da Mostra Aurora, dividiu algumas opiniões após sua exibição no Cine-Tenda. Os primeiros momentos de “Not Dead”, de Isaac Donato (de “Açucena”), são capazes de divertir o espectador por algumas falas e analogias específicas, como o “Norte do Nordeste” e as distorções geográficas dessa mesma cena, gerando realmente um clima amistoso para introduzir uma história desconhecida por muitas pessoas.
Porém, o filme possui uma grande dificuldade em se distanciar de seus artifícios para criar a encenação de suas entrevistas e a sensação é que a artificialidade criada para comportar essas conversas, de maneira prosaica, não é capaz de funcionar como uma proposta de linguagem eficiente, mas sim que trava o desenvolvimento e força uma naturalidade (nunca projetada) que não agrega no desenvolvimento da obra. Além disso, existe uma série de interrupções ao longo do filme, com uma montagem que realmente encerra algum registro de forma abrupta, para expor outra passagem. Essa constante quebra acaba prejudicando fortemente o fluxo que o projeto procura imprimir, pois além de comprometer o ritmo, impede que haja uma crescente na representação. De toda forma, a intenção de criar uma performance para o documentário, não é completamente absurda e precária, pois oferece aos protagonistas um lugar de distinção, como se eles oferecessem uma parcela desse universo para o espectador. Parte dessa lógica é vista em uma passagem específica, onde o diretor fala “corta” para um dos personagens, que responde: Você pode cortar mas eu vou continuar falando. É como se a lógica punk, do faça você mesmo etc, estivesse nessa proposta de encenação das entrevistas, sem querer tirar, pelo menos no campo das ideias, a autonomia desses personagens.
O problema é que conforme “Not Dead” avança nessa direção, trabalhando com uma ideia geral de performance, o filme se rende à uma espécie de didatismo frágil, justamente por querer criar uma base contextual e cotidiana para isso. Por exemplo, quando a montagem apresenta novos espaços ao longo do documentário, sempre temos a convicção da artificialidade da cena e procuramos, na oralidade, alguma base de apoio para seguir com as explicações e histórias da Not Dead e seus membros, pois essas sequências mais expositivas são fragmentadas e espaçadas ao longo da projeção, dando a sensação de largos vácuos que não auxiliam o espectador a permanecer imerso nessa experiência.
Uma das coisas que mais frustra em “Not Dead” é que estas interrupções anteriormente citadas, normalmente insere uma cena de um ex-integrante cego, que trabalha na acessibilidade do projeto, auxiliando no desenvolvimento da áudio-descrição. O problema é que o real esclarecimento dessas sequências só vem no fim do longa e a contribuição dessas aparições ao longo da montagem, é bastante questionável. Por mais que nos minutos finais todo o processo da áudio descrição é mencionado de forma mais detalhada e esse trabalho seja devidamente valorizado, era só uma questão de organização da ordem de apresentação que essa questão não seria um entrave do projeto.
É um pouco frustrante a experiência de “Not Dead” tanto por suas irregularidades e descontinuidades, quanto por um aspecto um tanto disperso da produção. Deve ser mencionado que por mais que o projeto tenha alguns problemas em se firmar com um objetivo claro, seu objeto não se perde ao longo do desenvolvimento, mas sua forma prejudica essa jornada e pode afastar uma parte do público sem grande esforço. Além disso, depois de “Açucena” (2021) a expectativa com o cinema de Isaac Donato se elevou e por isso, a frustração com seu novo longa pode ser uma nota comum nas opiniões e impressões de quem esteve presente na 27a Mostra de Cinema de Tiradentes. Ou esse é o retrato da Aurora esse ano.