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Nosferatu

Modernizando o clássico para servir no agora: você já viu este filme

Por Fabricio Duque

Nosferatu

É, eu nunca entendi refilmagens, cujo embasamento-propósito vendido é para apresentar novas versões de filmes clássicos e/ou com passados recentes a novas gerações do agora, estas, que, na cabeça desses fazedores de remakes, não possuem “discernimento” para apreciar obras antigas. Além disso, também há um único objetivo maniqueísta (do gostar ou não gostar – sim, não há meio termos neste caso): chegar a apenas dois resultados radicais, que é ou matar a obra original pela qualidade do novo (a transformando em um produto datado e problemático estruturalmente) ou este mais recente, do momento, ressignificar-se em um desastre, muito por faltar elementos específicos dessa nostalgia (ainda não “sujada” pelas consequências da contemporaneidade. Sim, é um “tiro no escuro”. Outro desdobramento perceptivo, decorrente de tudo isso, é de que o mundo real mudou a ideia de cinema, passando de uma cinefilia genuína que buscava amar a sétima arte por cenas e da passividade do receber a obra para um universo bem mais capitalista em que o mais importante é a experiência de estar no lugar, de se publicar nas redes, com muita pipoca, sacos de biscoitos e combos bem “salgados”. 

Pois é, talvez o que estamos vivenciando agora não tenha mais a ideia de um filme e sim de um produto publicitário. Um desses exemplos aconteceu na exibição à imprensa do novo filme (em questão) de Robert Eggers, “Nosferatu”, que após “A Bruxa” se tornou um dos queridinhos cults de Hollywood. Se em seu primeiro filme a ideia era a liberdade despretensiosa e criativa de sua autoralidade, neste aqui, pela analise da própria sessão matinal, nós não só podemos concluir, como definir, que “Nosferatu” é um filme-consumo. As cenas mais silenciosas e/ou com seus sons mais etéreos foram totalmente atravessadas por barulhos de sacos de comida. Sim, há tempos a obra cinematográfica é a menos importante. Seu público não vai pelo filme, mas por aquela experiência de “manada” (levantada no primeiro parágrafo deste texto). Outra questão é que na saída do filme, as assessoras de imprensa chegam perguntando se gostamos ou não do filme, dizendo que são as próprias distribuidoras que pedem. Sim, este é outro vestígio que o cinema como ideia morreu mesmo. Não por ele em si, mas nossos novos comportamentos. Isso tudo não é um parênteses, tampouco uma digressão, e sim um indicador direto para analisar “Nosferatu”. 

Em “Nosferatu”, Eggers imprime sua característica já consolidada: a de conduzir seu cinema de gênero pela metafísica de conto gótico, pela personificação de uma ambiência ocultista invisível do mal, construindo assim uma iminência da chegada dessa presença macabra, evocada ou não, e lembrada como solução de uma nova vida, pautada pela mente e seus estágios simulacros da loucura. Dessa forma, realidade, fantasias, imaginações, devaneios, sonhos e são desprendidos da realidade, suspendendo o tempo real, que já não mais existe no campo lógico. O “Nosferatu” daqui quer modernizar até mesmo a estrutura de gênero (Expressionismo Alemão) do “Nosferatu” original, realizado por F. W. Murnau (1922); e de “Drácula”, de Bram Stoker (1897), com fotografia estética e toques noir-surrealistas. Essa construção cênica (na Alemanha de 1838) traz o classicismo do pacto demoníaco mais ingênuo dos detalhes: caixinha de música, choro e a escuridão para luz. Quer o formato básico narrativo em jump scare de “evocação”. “Espírito: venha até mim”, clama-se. Essa metáfora filosofa, em imagens que intercalam o preto-e-branco e um colorido muito opaco (de névoa), com a linha da ideia da dominação do amor. Da princesa e o monstro. De que o ser grotesco tem muito mais “emoção” (e o verdadeiro orgasmo) para apresentar que a vida convencional do marido. Será possessão ou consentimento? Pesadelo ou premonição? Transe ou epilepsia? Será tudo sintomas de uma não felicidade, de um presságio não verbalizado, de uma melancolia que “acomete as donas de casa”? Será esses demônios a resposta completa para todas as maldades e sofrimentos da época?

É, “Nosferatu” parece apenas se preocupar com a mise-en-scène técnica de quebra-cabeça da história. Com a melhor fotografia estética-granulada (que atravessa estágios e sensações da monocromática à sépia), com os melhores ângulos de câmera, com o melhor tratamento de som. Com as melhores “espirradas” de sangue ao gore. Mas cadê o apuro das interpretações de seus atores? Cadê a maturidade da forma narrativa? Cadê o roteiro melhor: menos didático? Esses pontos-perguntas destoam da qualidade esperada a um nivelamento frágil. Pois é, falta emoção. Falta verdade em cena. E daí em diante descamba na construção do medo, bem desengonçado nos sustos. E até uma ideia “russa” de desconstrução do “Lorde infinito” vampiro-criatura “ser excêntrico” olhar para a tela (quebrando a quarta parede) fica pobre e solto na decisão. E continua: lágrima de um olho só, sacrifício de virgem, signos da escuridão, sotaque inglês, superstições, muitos ratos, providências, espectros da morte, exorcista, filosofia mística, sim, há tudo aqui e muito mais. O “Nosferatu” de Eggers quer tudo: inclusive todas as ideias de um Nosferatu original. Ao fazer isso, perde-se a essência do original. E que bom que Robert seguiu por esse caminho: porque assim podemos ainda deixar intacta a maestria datada de Murnau, com suas limitações históricas da produção e dos efeitos visuais.

2 Nota do Crítico 5 1

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