Nheengatu – A língua da Amazônia
Passado e presente
Por Vitor Velloso
Durante o Fest Aruanda 2020
O extermínio cultural é uma prática que o Brasil segue acolhendo. Em todos os governos, existiu uma perpetuação dessa constante histórica, como uma formalização do sangue de cada dia. “Nheengatu – A língua da Amazônia” de José Barahona busca um exercício antropológico e um registro histórico da situação da língua que da título ao filme, conhecida também como “Tupi Moderno”. O documentário investe nesse registro como uma ferramenta de representação da realidade, buscando entender modificações estruturais nos modos de vida dos povos que seguem a proferir a língua.
Não dá para negar um estranhamento ao ver a fala lusitana entrecruzar com os nativos, eu estaria negligenciando um forte impedimento que tive em acesso. Desta maneira, soa um fetiche histórico e cultural, ir atrás de informações de uma cultura que está desaparecendo com o passar dos anos, com a culpa de um grupo que reconhecemos com facilidade. Da mesma forma, o ato de dar o celular “para filmar tudo que achas importante”, causa uma investida política pouco pacífica. Não acuso o cineasta de nada disso, falo diretamente de uma impressão particular que causa um incômodo progressivo com o passar do tempo.
Em mesma linha, deve-se notar os esforços de compreender a linguagem a partir dessa mutabilidade imediata, que se molda com a progressão, além de um ímpeto generalizada, quase primitivo, pelo registro, porém há um trabalho egoico na presente obra. O diretor faz questão de ser constantemente enquadrado e colocado ao lado dos indígenas, sua imagem é “necessária” na construção da própria obra. E aqui a discussão ganha um corpo distinto, que não cabe em uma crítica, contudo, vale a menção, já que o fato é decisivo no resultado final. Aliás, parte da construção é dada através do revés da língua, da incapacidade de comunicação direta, sem intermédio.
“Nheengatu – A língua da Amazônia” não busca interpelar um novo fardo do Homem Branco, mas parece caminhar em transa de mesma natureza. Não à toa, parece criar uma espécie de exotismo para questões basilares, mas prosaicas do dia-a-dia. E essa divergência entre a representação, a realidade e uma vida que desconhece em absoluto, com interesse direto pela língua, é uma ponto de ruptura sem volta para uma parte dos espectadores, que não conseguirão assistir o filme sem um atravessamento constante de questões históricas. Esse incômodo, é gerado, também, pela condução de diário, onde o cineasta se põe a falar de como está sendo sua trajetória para a realização do documentário.
Talvez o eurocentrismo não seja uma verve que pulsa no ferro do cineasta, mas em sua produção, fica evidente. Desta maneira, não é fácil digerir diversas escolhas do filme. Se o povo é o mito da burguesia, a Barra da Tijuca veio de encontro à floresta Amazônica. E mesmo que seu desejo seja honesto, surge manchada com algumas gravidades a serem debatidas.
Contudo, por ausência de nossa filmografia em debruçar-se em questões similares (não tanto quanto deveriam), o filme (que é brasileiro) se torna um destaque em meio às produções sendo exibidas nos festivais, pois se inclina à uma didática minimamente útil para que possamos discutir e possuir registros desse cenário contemporâneo.
É necessário reforçar que o filme pode funcionar em múltiplas camadas para outros espectadores, mas surge como um entrave excessivo para que seja ignora, de minha parte. Assim, o barato que o documentário produz em torno de sua própria temática, utilizando-se uma forma que me parece uma estrutura absolutamente eurocêntrica, mancha por completo uma experiência que só pode ser salva pelo material em si.
“Nheengatu – A língua da Amazônia” pode encontrar resistência pelos elementos mencionados, não irá surpreender, ao menos é versátil em capilarizar algumas informações com uma proposta didática diante do próprio material. Tal circunstância ocorre a partir de uma mimesis interna que se resolve em consonância com o ego do velho continente. O balaio entre as terras lusitanas e tupiniquins gera um certo desconforto, uma transa com uma desconfiança monumental.
Difícil dizer que trata-se de um filme esquecível, mas nem em seus melhores momentos consegue convencer