Mostra Um Curta Por Dia 2025

Nasir

Em busca de solidão e silêncio

Por Fabricio Duque

Durante o Olhar de Cinema 2020

Nasir

Uma imagem nunca será apenas uma imagem, pois traz em sua essência significados, importâncias, quereres, opiniões, reflexões, questionamentos, críticas e análises existenciais. No cinema, toda força desse olhar é potencializada a fim de traduzir simbolismos e metáforas, comportamentais, sociais e/ou políticas. Em “Nasir”, que integra a mostra competitiva desta edição online do Olhar de Cinema, após ter passado pelo Festival de Rotterdam 2020, apresenta-se como um embate entre tempos, contraditórios e incompatíveis, obrigando ao indivíduo uma aceitação do espaço-estágio. O filme, dirigido por Arun Karthick (em seu segundo longa-metragem) e adaptado do conto “Clerky’s Story”, de Dilip Kumar, é também sobre pressa, intolerância religiosa e conflitos geográficos do mundo atual.

“Nasir” desenvolve sua narrativa pela sinestesia da imagem, naturalista e contrastante do tempo. Uma experiência visual. Nós espectadores somos convidados a contemplar a intimidade do personagem Nasir (pela irretocável interpretação minimalista do ator franco-indiano Valavane Koumarane), no cotidiano (micro-ações do agir e se portar) de sua vida entre família, trabalho e as dificuldades financeiras. A fotografia de Saumyananda Sahi busca nossa imersão ao formatar a tela à moda de uma envelhecida foto antiga analógica (saturada a uma nostalgia, mas que estreita gerações quando se apresenta contemporânea). A câmera nos transporta a uma viagem turística orgânica e coloquial, com seus ângulos “mosca” (de cinema direto e de documentário ficcional), ora geral e distante, ora em close. Há uma meticulosa construção estética e não convencional, que moderniza o classicismo do cinema iraniano e foge da estrutura Bollywood de ser.

É um filme de planos. Uma ode à imagem e a sua significação que atravessa as próprias barreiras separatistas do captar. “Nasir” é um jogo-crônica sensorial de desconstruir “solidão e silêncio”, em uma contemporaneidade que se perde e se afasta das tradições, ressignificando lutas sociais pelo ódio. Nasir é um muçulmano. Vive no estado de Tamil Nadu, no sul da Índia, lugar que o nacionalismo hindu assumiu formas cada vez mais violenta nas últimas décadas. Poeta nas horas vagas, mostra gentileza e sensibilidade ao trabalhar em uma loja de venda de tecidos. Nasir é também um Alien, fora de tom, ainda que “limpe” a aceleração com a calmaria. A narrativa, como já foi dito, expõe uma visceral brutalidade da percepção etérea. Tudo muda, principalmente as músicas, trilha condutora e de conexão imagética-transcendental, por exemplo a de seu início, “Muazin”, de Guy Maayan & Alon Ya’acobi. É como se um novo filme começasse a ser exibido, com seus gatilhos comuns, alívios cômicos,  conversas mais artificiais (quase em monólogos), edição ágil (urgente, afobado, agitado, ansioso), clientes indecisos (e exigentes, salvo exceções em perceber que “o velho voltou à moda”) e a propulsão capitalista do consumo exacerbado acima de todas as coisas. Nasir só observa e ouve sobre Instagram e Facebook.

“Nasir” é uma metafísica do estágio atual do mundo pela imagem. “O que é a vida senão solidão e silêncio?”, pergunta retoricamente a seus desentendidos colegas sobre a verdadeira e filosófica mensagem implícita. O filme também problematiza o hipócrita politicamente incorreto do conservadorismo moralista em não poder fumar um cigarro mais “proibido”, enquanto a intimidade se descortina no excesso da ilegalidade dessa nova juventude perdida, mimada e alienada que será o futuro da nação, em contrário aos que “soam a camisa”, um misto simbólico de Super-Homem com Batman.

Apesar de toda esperança empregada, o roteiro se contradiz mostrando ao público que a poesia acabou, que o realismo é mola padronizada do existência e que só o silêncio e a paz só existem na morte. E que todo viver não deixa de ser utópico, submisso às regras já impostas sem acasos e sem livres-arbítrios. A potência do filme está em sua imagem que traduz os comportamentos da própria sociedade, neste caso um gueto específico e intimista de uma pessoa em um lugar na Índia. “Todo mundo usa barba. Todo mundo usa chapéu. Todo mundo vai à mesquita. Mas na volta do culto, vocês discutem o sermão por controversas inúteis.”, diz a propaganda e com a câmera passeia por vielas, nos remetendo à quarentena que vivemos agora de que o ser humano não serve mais para viver junto e compartilhado na “ação unificada da terra da espiritualidade e da justiça”. E que inclusive destrói a própria imagem, quase uma metalinguagem aqui, quando é auferida na mão, durante uma distopia, ação trágica que permite o “presente” da eterna calmaria silenciosa.

4 Nota do Crítico 5 1

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