Curta Paranagua 2024

Nardjes A.

Diversão demais, política de menos

Por Fabricio Duque

Durante o Festival de Berlim 2020

Nardjes A.

Obras cinematográficas pessoais demais podem alterar o resultado final do projeto e automaticamente seu próprio conceito idealizado. E se a relação com o tema representar uma afinidade distante por nacionalismo familiar, então o discurso parecerá menos aprofundado e mais livre em sua forma. Por incrível que pareça, este é o preâmbulo explicativo sobre o novo filme do realizador Karim Aïnouz (de “Madame Satã”, “O Céu de Suely”, “Praia do Futuro”, “A Vida Invisível”), que em sua primeira viagem a Argélia.

Exibido no Festival de Berlim 2020, o documentário “Nardjes A.” conduz o espectador por um dia na vida da protestante do título e sua preparação às manifestações contra as políticas públicas da Argélia e contra o quinto mandato do presidente Bouteflika. Conversando com críticos durante a mostra de cinema na capital da Alemanha, pude comprovar a opinião de que talvez o fora do tom do filme seja mesmo a escolha de sua personagem, que imprime uma ideologia de luta já condicionada (mastigada de fora e já consolidada – como uma “nova religião” e seus pontos de encontro à moda “micareta”), como se o dia do protesto fosse um acontecimento festivo, meramente de diversão. De encontrar os amigos. De beber. De dançar. De gritar um pouco. E assim terminar o dia com a sensação patriótica de dever cumprido. Isso incomoda? Não. Mas soa vazio e de crítica inversa? Sim, como um exemplar de propaganda.

“Nardjes A.” é a câmera que capta as imagens de dentro, no calor da emoção, e dessa maneira perde o controle do foco real. Ainda que siga direcionada por tópicos, a narrativa tenta a naturalização do olhar ao criar o cinema direto de improviso no acaso (que embasa a permissão às imagens desfocadas). Com fotos de revoluções (de pessoas que mais parecem formigas), ora remetendo a 1962, o filme quer traduzir a “guerra de sangue”, “o autoritarismo e as promessas traídas” pelo poder e ritmo do som alto dos protestos, para potencializar o sentir, gerar a experiência-sinestesia, a possibilidade da imersão total e a presença de drones, incluindo um que caseiro despertado de felicidade desmedida. Quase um transe e uma catarse coletiva, muito perceptível pela narração passional de Nardjes. Que se comporta como uma típica “protester star”, nova designação da junção de protestante com influencer. Está sempre no celular e postando nas redes sociais. É o que chamamos de uma nova forma de expressar a luta. Agora, a motivação é para dentro da internet, até porque mais likes, mais prestígio. “Argélia Livre para todos que amam seu país”, diz-se.

Nem tudo em “Nardjes A.” é uma pedra atirada. Há momentos que por si só já valem o assistir. Como a cena que mostra que no horário estipulado, todos na manifestação param o que estão fazendo e começam a rezar. Um momento de união absoluta. Um novo transe coletivo. Como disse é um filme gangorra. Em outra parte, a decisão é se utilizar do alívio cômico, “rindo” com os “engraçados”, que estão na “pegação” e que zoam a única protestante real de fato. A única que realmente está ali para lutar. E que seu discurso é sinônimo de “ultrapassado” e seus gritos de “pessoa doida”.

É um filme sobre um “evento”. Sobre a diversão. Como se fosse um encontro de times de futebol. “Nardjes A.” aborda mais as micro-ações vazias da personagem que encena à câmera que um documento político (“Um único herói: o povo”). E/ou uma selfie na frente da polícia. Tudo bem. É um escolha. Contudo, se a proposta era para ser uma ficção com cara de documentário, então a protagonista deveria ter sido melhor escolhido. Talvez outros testes para descobrir além de uma cênica articulação ideológico.

O que vemos? Uma pergunta superficial sobre o que é ser livre. E sem respostas fornecidas. É também demasiado ingênuo colocar uma “protester” limpando a sujeira para dizer que são educados. Soa falso, especialmente quando o filme interfere e cria situações para se desenvolver. É a “xepa” do fim de festa. E dessa forma, o dia anda não salvo pela “Menina Superpoderosa”, voltando tudo ao normal até o próximo protesto. Concluindo, tenho plena convicção de que ser humano algum consegue acertar sempre. E isso é o maior elogio, porque faz com que sejamos humanos, dotados de erros, contradições e impulsos extremamente subjetivos e idiossincráticos. Sim, essa é a beleza da vida, mas também não devemos alimentar as caídas. A solução é anotar os deslizes para consertar no próximo. Filme e/ou protesto. Argélia Livre!

2 Nota do Crítico 5 1

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