Mulheres no Pódio
Mecanicismo institucional
Por Vitor Velloso
Seguindo uma estrutura estética e rítmica bastante institucional, o Comitê Paralímpico Brasileiro (CPB) celebra as conquistas de Tuany Barbosa, Mariana D’Andrea e Sophia Kelmer em um documentário lançado no SportTV e Globoplay, com direção de André Bushatsky. “Mulheres no Pódio” é uma obra que não propõe uma diferenciação estética em relação a outros projetos, nem procura uma identidade particular dentro do recorte de documentários esportivos, sendo mais uma reprodução literal de um funcionamento pragmático de como tentar cativar seu público por meio de uma “história de superação”, expressão colocada em xeque durante determinado momento da projeção, e das conquistas das atletas ao superarem dificuldades esportivas e sociais.
O problema é justamente a forma escolhida para ser o balizador dessa representação de histórias fascinantes, pois há um processo de exaustão na contemplação do filme, especialmente no ritmo formulaico e repetitivo de cada bloco. Em determinado momento, sabemos exatamente que haverá uma cartela expositiva, uma transição, sucessivos talking heads e uma quantidade excessiva de músicas para tentar construir uma áurea sentimental e emotiva para histórias que já possuem um peso social embutido em qualquer situação de exposição. Essa articulação torna-se cansativa, especialmente após notarmos todos os padrões de repetição nos primeiros minutos. Assim, até as tentativas de exemplificar a excepcionalidade dessas atletas em múltiplas modalidades revelam uma série de mecanismos artificiais e programáticos, quase como um cumprimento burocrático, procurando uma melhor representação de como se enquadrar com eficiência em uma projeção televisiva. Desta forma, com o formato estabelecido, basta manter o modus operandi até o fim e cativar seu público por meio de um dispositivo visto incansavelmente ao longo dos anos. Por outro lado, as poucas inserções de materiais de arquivo, datados de outros registros e contextos, ampliam as possibilidades do filme, flexibilizando nosso entendimento dos feitos de cada atleta, suas dificuldades e monumental capacidade. Os depoimentos com familiares e treinadores também ajudam a construir um contexto mais estável para a esterilidade estética do projeto, ainda que as perguntas, por vezes explícitas durante o momento do registro, sejam amplamente vagas, a ponto de, em determinados momentos, as próprias personagens encontrarem dificuldade para dar seguimento à entrevista.
O espectador que for um grande fã de esportes e de histórias dessa natureza pode sentir grande admiração e até se emocionar em momentos isolados, mas todo o caráter pragmático dessas exposições é capaz de retirar o que há de mais importante em todo esse contexto: a humanidade, os obstáculos sociais e suas conquistas. Isso porque, além da inabilidade em contextualizar de forma própria e eficiente todas essas histórias, a estrutura da montagem segue um padrão tão rigoroso e industrial que tudo se encontra engessado. Em certos recortes ao longo de “Mulheres no Pódio”, a representação feita coloca em segundo plano esses fatores, para criar um institucional de baixa inspiração e tão facilmente digerível quanto poderia ser.
“Mulheres no Pódio” é decepcionante por sua inclinação ao senso comum e insistência na mediocridade, criando um produto realmente amargo para o público que esperava algo diferente do projeto. Especialmente quando o filme tem todas as ferramentas para criar uma diferenciação nas possibilidades de retornos financeiros, patrocínios e distinções entre atletas, olímpicos e paralímpicos, seus desafios institucionais etc. Por essa razão, torna-se tão frustrante, pois soa como uma reportagem televisiva expandida para um longa-metragem, não um olhar crítico sobre o contexto das atletas, do esporte, do desenvolvimento no país, das conquistas etc, e quando há alguma menção à esses tópicos, é tão superficial que soa mais um questionamento moralista que uma articulação crítica e consciente.
A falta de uma proposta inovadora, tanto na abordagem estética quanto na narrativa, limita as possibilidades de “Mulheres no Pódio” ao tornar o documentário uma obra previsível e repetitiva. O filme não oferece uma análise mais profunda dos impactos sociais e culturais das conquistas das atletas, apenas ilustra sua trajetória de forma mecânica. Essa abordagem carece de um olhar mais atento às complexidades dos desafios enfrentados pelas protagonistas, tanto no campo esportivo quanto no social. É curioso que em um país onde o esporte é tão subvalorizado, com exceção do futebol, as narrativas de superação via televisão e padrões industriais, consigam tanto destaque nas produções audiovisuais acerca das diferentes modalidades, expondo um sintoma crítico da realidade nacional.