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Mufasa: O Rei Leão

A jornada origem fica pelo caminho

Por Fabricio Duque

Mufasa: O Rei Leão

A percepção de que mundo definitivamente mudou é um fato comprovado e talvez não tenha mais tempo para imaginações-fantasias mais ingênuas. Há agora uma carga de realismo e ceticismo tão grande nas pessoas, que novas obras com um que de resgate mais emocional das tradições familiares sejam recebidas como datadas, até mesmo piegas. Em 1994, talvez ainda estivéssemos num limbo sentimental, que desenvolvia no espectador uma liberdade despretensiosa da própria criação do gênero. Dessa forma, um filme conseguia abordar mais de condução mais aprofundada as camadas dos temas “mais pesados” às crianças, como sentimentos universais da perda, luto, sobrevivência, vingança e redenção. A Disney sempre pautou suas histórias nisso. Quando “O Rei Leão” foi lançado, podemos finalmente captar a característica mais marcante da empresa: discutir no gênero da animação uma forma mais adulta voltada aos pequenos, por exemplo, a morte da mãe em “Dumbo” e/ou a psicodelia de “Fantasia”. E aqui, a morte do pai por um tio invejoso. Nessa obra, a força criativa estava na emoção tratada de forma ultra naturalista, ainda que pautada no melodrama, amparando-se a suavização no fato de ser um filme animado e assim possibilitar uma maior liberdade à fantasia e à imaginação, especialmente pelas músicas que se tornaram icônicas, como cantar sobre “o ciclo da vida”. Pois é, todo mundo, sem exceção, “até os brutos”, sentiu lágrimas caírem de seus olhos e arrepios no corpo. 

De lá para cá, percebemos outra mudança: a de que o cinema se automatizou muito mais pela tecnologia. Em 2019, a Disney resolveu lançar a versão live action, recriando com realidade ficcional o futuro reino de Simba. Algo quase como um documentário à moda da National Geographic. E agora, um novo capítulo sobre a saga chega aos cinemas neste ano de 2024, “Mufasa: O Rei Leão”, de Barry Jenkins (de “Moonlight”, “Se a Rua Beale Falasse”), que aborda a origem muito antes do “Hakuna Matata” e que também constrói outro simbolismo com a morte (meses antes deste filme ser lançado) do ator James Earl Jones, que dublou o protagonista Mufasa e agora é substituído por Aaron Pierre. O filme insere uma homenagem a ele. Mas a cabine acontecida na sala 4 dos cinemas do New York City Center, na Barra da Tijuca, foi dublada. Nós não pudemos apreciar a nova dublagem. Outro percepção muito clara foi a utilização demasiada dos efeitos especiais. Em certos momentos, pela velocidade das imagens da edição ágil (que não sobra tempo de respiro), tudo era apresentado fora de foco. Não se sabe se foi a projeção ou propositalmente advindo da própria feitura do filme. E isso pode ser explicado: cada vez há mais a necessidade de que as obras sejam lançadas rápidas demais, atrapalhando assim o apuro técnico das cenas. Sim, é um pena, cada vez os filmes parecem ser mais líquidos e casuais. Poucos conseguem permanecer icônicos em nossas imaginações. Taí as mais recentes obras da Pixar para provar o ponto. 

Sobre a narrativa, “Mufasa: O Rei Leão” até que se tenta construir um cotidiano da selva (principalmente os perigos adversos) pelo sensorial, pela emoção naturalizada, pelos olhares expressivos, pelo sonoro das batidas musicais com ritmo africano mais transcendente e pelas referências humoradas (verdades histéricas e signo “leonino”) de comportamentos-sentimentos humanos aos animais. Aqui, toda essa condução é intercalada. Pela realidade, pela parte em que se conta a história “causo” (instante que a trama é adulterada pela subjetividade)  e pelo atravessamento interferente de modificações detalhes do narrador (Timão, Pumba e Rafiki, que buscam a graça orgânica e coloquial para “contar a história pelo visual”). “Mufasa: O Rei Leão” é o épico de uma jornada. De construção do herói-líder, que coleta desenvolve seus valores, princípios, éticas e moralidades pelo caminho (o Eldorado idealizado “Milele”, do paraíso – “um lugar para sempre”) “além do horizonte”. E aí o filme começa e sobe a carga sentimental, especialmente por suas músicas de efeito que “rasgam a cena” (e que parecem mais palavras lidas que cantadas, rimando pobremente “fofoca” com “provoca”). Isso tudo deixa a obra em questão muito técnica, sem emoção alguma, mitigando a característica marcante da comoção genuína. 

Daí, “Mufasa: O Rei Leão” adentra no auto-ajuda, em diálogos coach, para ajudar essas personagens a descobrir a força que têm guardada), lembram em muito a estrutura do filme “Manual do Herói”, exibido no último Festival de Brasília do Cinema Brasília, inclusive com a mesma frase de “não se render ao mal”. Outra coisa percebida é que seus diálogos se apresentam articulados demais (não se sabe se o problema vem da dublagem brasileira ou se é estruturalmente da obra original). O longa-metragem quer ser uma experiência do sonhar, da fantasia que chega ao coração. É, talvez, como eu disse anteriormente neste texto, esse formato-gênero não atenda mais o mundo de hoje, tão acelerado e tão cheio de opções. Sim, esta é uma trama bem básica da “Jornada do Herói” a la “O Pequeno Príncipe”. Um acaso da vida, pela água, o leva para longe “de tudo o que conhecida” de sua família, faz com que se aventure, se torne um “desgarrado forasteiro” (a ideia do imigrante fora daquele mundo), encontre amigos, que ensinam para ele como lutar e seguir adiante nas dificuldades. “Você se perde para encontrar o caminho”, diz-se, entre momentos de metafísica etérea do conhecimento, da ancestralidade e da transcendência. 

“Mufasa: O Rei Leão” também vai para outro caminho: o de criar a atmosfera de competição, bem à moda de “Game of Thrones” e os “jogos”, desafios, vitorias e fracassos para ser coroado o novo rei da selva. Cada vez o filme fica mais teatral. Mais técnico e sem nenhum apuro emocional, num roteiro frágil em que tudo é jogado muito direto, muito didático, muito clichê, muito piegas, muito explicitamente verbalizado. “Encontre seu caminho para casa e ache seu lugar no ciclo da vida”, é, pois é, “A Caverna do Dragão” style. E não para por aí: humor fica forçado, fica mais sentimentaloide, há mais flashbacks, mais câmeras lentas e mais a sensação de uma ruim manipulação. Mas depois de tudo não é que o final consegue encontrar o equilíbrio passado da Disney e arrepiar naturalmente nossa emoção. “Mufasa: O Rei Leão” tenta o rugido imponente, mas a realidade que encontra é a daquele rugidinho de Simba, vulnerável, no primeiro filme, esse sim uma obra icônica. 

2 Nota do Crítico 5 1

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