Mostra de Cinema de Tiradentes 2024 anuncia os filmes da Mostra Aurora e Olhos Livres
Festival mineiro chega a sua 27ª edição, acontecendo de 19 a 27 de janeiro
Por Vitor Velloso
Com o fim de ano chegando, as primeiras movimentações mineiras começam a aparecer. A Mostra de Cinema de Tiradentes 2024 anuncia os filmes que estão competindo nas duas principais mostras do evento: Mostra Aurora e Mostra Olhos Livres. Todas as obras terão críticas no site durante a cobertura presencial que o Vertentes do Cinema irá realizar entre os dias 19 a 27 de Janeiro de 2024.
A Mostra de Cinema de Tiradentes chega a sua 27ª edição, de 19 a 27 de janeiro de 2024, maior e mais convicta do seu papel – ser plataforma de lançamento do cinema brasileiro contemporâneo apresentando ao público a diversidade da produção brasileira, com novas representatividades, com novas abordagens, personagens, estéticas, com as permanências e mudanças e com as recepções críticas desse fazer cinematográfico, além promover intensas atividades de formação, como debates, encontros e diálogos audiovisuais, rodas de conversa, oficinas, laboratório, masterclass, lançamento de livros, performances, exposições, atrações artísticas. Uma revolução da diversidade de novas possibilidades de expressão cinematográfica e artística. Caminhos independentes de entrega à nossa cultura que refletem a autêntica vontade de fazer bem ao mundo –questão vital e ação estratégica no desenvolvimento de uma nação.
MOSTRA OLHOS LIVRES
Os selecionados para a Mostra Olhos Livres são:
“Aquele que Viu o Abismo” tem direção de dois artistas que já passaram pela Olhos Livres: Gregorio Gananian vencei a mostra em 2017 com “Inaudito”, enquanto Negro Léo foi personagem-título de “É Rocha e Rio, Negro Léo” (Paula Gaitán, 2020). Unidos, eles desenvolvem o retrato de um sujeito paranoico diante de uma situação descrita como “escassez da civilização ingênua”.
“Foram os Sussurros que me Mataram” é uma fábula política contemporânea protagonizada por Mel Lisboa no papel de Ingrid Savoy, celebridade prestes a entrar num reality show que passa dias confinada em um quarto de hotel. Entre visões premonitórias, um ataque de paparazzi e atentados anarquistas, ela vive a constante iminência de um escândalo. O diretor Arthur Tuoto já esteve em Tiradentes, onde participou da Mostra Aurora em 2014 com “Aquilo que Fazemos com as Nossas Desgraças”.
“Seu Cavalcanti” é uma docuficção de cunho familiar dirigida por Leonardo Lacca, que filma o próprio avô de mais de 90 anos que, depois de sofrer uma grande contrariedade, tenta reconquistar a própria independência e prestígio, num instigante jogo de indeterminação entre performance pessoal e performance artística. O filme tem produção de Kleber Mendonça Filho e Emilie Lesclaux (“Bacurau”, “Retratos Fantasmas”) e conta no elenco com a atriz Maeve Jinkings (“O Som ao Redor”).
“Terror Mandelão” aborda o som, a tecnologia e o mercado de trabalho dos bailes funk de quebradas de São Paulo. O foco é no DJ K, um dos principais artistas do Baile do Helipa, maior comunidade da capital paulista, e seu amigo MC Zero K. O filme combina documentário, elementos ficcionais e experimentação visual e trata, com profundidade criativa, as desventuras desses jovens na luta para viver de música. O diretor GG Albuquerque, que assina com Felipe Larozza, integrou o Júri da Crítica na Mostra Aurora na edição de 2023.
“A Câmara” é um documentário de urgência, feito no calor político de hoje, e acompanha deputadas trabalhando no Parlamento em Brasília. Temas como direitos reprodutivos, educação, estado laico, racismo e polarização surgem nos embates e performances captados de forma límpida, transparente e rigorosa pela dupla Cristiane Bernardes e Tiago de Aragão.
“SOAP” é um projeto experimental nascido como uma série em seis partes, que foram expostas em galerias de exposição e agora são reunidas num longa-metragem, criando uma outra possibilidade de apreensão. O experimento, desenvolvido pela artista plástico Tamar Guimarães, consiste na manipulação da linguagem de cinema e de telenovelas para acompanhar a tentativa de infiltração de intelectuais e agentes culturais de esquerda nas redes sociais de defensores da direita. O intuito é construir uma novela com mensagens subversivas sob a forma conservadora de um produto cultural religioso.
MOSTRA AURORA
Os selecionados para a Mostra Aurora são:
“Eu Também não Gozei” é um documentário sobre uma mulher grávida num périplo em busca do pai de seu filho, enquanto passa o período de gestação sozinha. A câmera a acompanha no processo, e seu registro se dá numa construção narrativa a partir de sua aproximação e distância da personagem. A diretora Ana Carolina Marinho foi roteirista da ficção “A Mãe” (Cristiano Burlan, 2022).
“Tubérculo” é filmado em película Super-8 e se envereda pelo cinema de invenção radical e poética para seguir um ator que deixa Lisboa para retornar à cidade natal no interior do Brasil após a morte da avó e é assombrado uma herança maldita e por seu primeiro amor. A dupla de diretores Lucas Camargo de Barros e Nicolas Thomé Zetune exibiu um filme anterior, “O Pequeno Mal”, em 2018 no Festival de Brasília.
“Maçãs no Escuro” mergulha na vida do dramaturgo Edson Aquino, cuja trajetória é registrada por uma equipe de documentaristas estrangeiros enquanto comemora seus 35 anos de carreira. Produzido na cidade de Diadema, na região metropolitana de São Paulo, com direção de Tiago A. Neves, o filme mescla o retrato e o experimentalismo para transmitir os sentidos de seu personagem e daquilo que ele significa diante das câmeras.
“Sofia Foi” segue o último dia de uma personagem suicida em cenas com tempos dilatados e densos que sempre contém algum tipo de acontecimento, mínimo que seja, numa trajetória derradeira de crise de identidade e angústia geracional. Com trajetória na fotografia, o diretor Pedro Geraldo estreia como diretor de longa-metragem e foi premiado no FIDMarseille, na França, em 2023, com este primeiro trabalho.
“Not Dead” vira sua câmera para a inusitada resistência punk na Bahia e faz isso com serenidade e rigor de construção, mesclando intimidade e delicadeza na abordagem de uma crise geracional detectada na relação formal do filme com seus personagens e o tempo próprio que eles exalam. O diretor Isaac Donato venceu a Mostra Aurora em 2021 com um filme igualmente rigoroso e atento ao que filma, “Açucena”.
“Lista de Desejos para Superagüi” documenta Martelo, pescador de 70 anos no litoral sul que ainda não conseguiu se aposentar. Ele é um homem-farol que aponta luz para Superagüi e ilumina os desejos terrenos de seus moradores. A atmosfera do filme se aproxima do neorrealismo na densidade poética de suas imagens e abordagens. Pedro Giongo, diretor, vem de uma ampla experiência como montador, inclusive tendo sido premiado na função em 2019, por “Alice Junior”, no Festival de Brasilia.
“EROS” é um documentário de dispositivo articulado com imagens de pessoas frequentadoras de motéis que, convidadas a se filmar durante uma noite, compartilham seus vídeos para a estruturação do filme. A diretora Rachel Daisy Ellis estreia na função depois de uma premiada trajetória como produtora, incluindo os filmes “Doméstica” (2012), “Boi Neon” (2015) e “Divino Amor” (2019), todos de Gabriel Mascaro.
Em 2024, o evento celebra as trajetórias em andamento do cineasta André Novais Oliveira e da atriz Bárbara Colen. Suas trajetórias se cruzam em diversos momentos e, vindos de uma mesma geração mineira, são também considerados figuras-chave do momento especial que vive a produção no estado. A celebração à dupla é, por extensão, uma celebração ao cinema de Minas Gerais, considerado um dos mais inovadores dos últimos 20 anos no Brasil.
AS FORMAS DO TEMPO
Em um momento em que voltamos a fazer projeções de qual futuro é possível construirmos e de nos perguntar como lidaremos com os despojos que o processo anterior do país nos legou, precisamos escolher para onde vamos olhar. Defendemos aqui que é preciso, sobretudo, olhar para os filmes, para o tempo dos filmes, seja a modulação do tempo construída pelos filmes como objeto, seja o tempo no qual o filme existe. Tendo em vista as condições, circunstâncias e debates atuais no audiovisual brasileiro, que tempos e temporalidades atravessam essa noção de contemporâneo nas práticas cinematográficas, nas ideias, nas imagens e, sobretudo, nos filmes brasileiros contemporâneos?