MLK/FBI
A vulgaridade do FBI
Por Vitor Velloso
Durante o Festival É Tudo Verdade 2021
“MLK/FBI” de Sam Pollard é um dos documentários mais aguardados da presente edição do É Tudo Verdade. O FBI com sua história de vigilância e perseguição ideológica é um dos alvos deste filme que busca dissecar a “relação” entre Martin Luther King e a polícia com a paranoia menos eficientes do mundo.
O longa inicia sua construção em um modelo investigativo, onde parte de um formato televisivo para tensionar a atmosfera. Documentos aparecem na tela, sendo revelados por uma luz que escaneia o texto. Essa fórmula de revelação segue como a forma primordial do documentário, que utiliza a voz em off para ir contextualizando a vasta quantidade de material de arquivo, indicando os donos das vozes por um texto sutil que aparece no canto inferior esquerdo da tela. Essa tentativa de tornar o progresso mais objetivo em seu tempo limitado, até consegue dinamizar a quantidade de material que é exposto, mas provoca um cansaço inevitável. O eixo entre Martin e o J. Edgar Hoover consome um bom tempo de tela e pode se tornar repetitivo pelo retorno incansável do racista que detém a cadeira de uma instituição que oprime o povo negro.
A estrutura assumida por Pollard é curiosa, uma vez que a diretriz é desvelar o discurso que o FBI utilizou ao longo dos anos, além de contar com o apoio de figuras políticas do Executivo. Não à toa, “MLK/FBI” não investe em grandes suposições, trabalha com os fatos, documentos e relatos para conseguir construir uma argumentação de como essa perseguição realizada era feita em tom odioso. Os documentos mostram isso com clareza ímpar, a partir dos termos utilizados nos relatórios que visavam atingir diretamente a imagem do líder do movimento dos direitos civis. Em um longo trecho, fica explícito que o intuito era atacar a vida pessoal e expor fatos através da moralidade reacionária.
Com altos e baixos no ritmo da unidade, o espectador sente o peso da grande quantidade de informações, mas isso é inevitável, já que a postura assumida pelo cineasta precisa cumprir uma agenda contra as atitudes tomadas pela instituição e debater como a sociedade norte-americana lidava com o fato da refrega pública estar pendendo para o arquétipo construído por Hoover. Desta forma, alguns paralelos precisam ser construídos para que haja uma formalização do embate em esferas distintas, com frentes políticas definidas pelas lutas particulares de cada uma das linhas. As variações na forma não são constantes, pelo contrário, o material de arquivo ilustra o que as entrevistas estão comentando e até a reta final do filme, não temos uma identidade visual das vozes que nos acompanham. Essa suposta impessoalidade que o projeto assume, não se define na montagem e acaba dissolvendo o problema do “excesso de Talking Heads”.
Sem dúvida algumas revelações aqui presentes são elucidativas para o espectador, que observa de perto uma matéria jornalística sem que haja uma reprodução dos padrões televisivos, mas sim dessa cadência do “suspense” por trás dos fatos. O barato dá tons de “conspiração” e busca criar a impressão de estar abrindo a caixa-preta. Mas “MLK/FBI” não cede a especulações e devaneios divertidíssimos que marcaram parte da carreira de Moore, por exemplo. Trabalha com o que possui e quando não há provas diretas, dá voz aos entrevistados que estavam mais próximos do evento, para que os mesmos narrem os acontecimentos, retirando parte desse “compromisso com a verdade”.
Os registros exibidos aqui, dão a forma para que “MLK/FBI” consiga alavancar um longo debate em torno de vigilância, racismo, perseguição etc, além das duas figuras centrais que estão no centro da narrativa. O documentário é mais uma liga resistente que encerra aquilo que os criacionistas cinematográficos acreditam em urgir pela separação da forma e do conteúdo. Aqui, o laço é indissociável em qualquer instância e assegura que não existe uma manipulação dos fatos, apenas na organização dessas imagens.
Aos que prestam continência à bandeira norte-americana e acredita que a perseguição aos comunistas era feita em uma escala de consciência crítica, tirem suas próprias conclusões. O FBI e seus erros custaram caro para o mundo inteiro. Espero que em 2027 tome uma atitude minimamente digna.