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Mirador

Paternidade nos trópicos

Por Vitor Velloso

Olhar de Cinema 2021

Mirador

“Mirador” de Bruno Costa é a prova que Edilson Silva é um baita ator interessante. Interpretando um personagem que precisa assumir seu papel de pai após a mãe da criança partir deixando um bilhete para trás, o universo masculino é desenvolvido a partir da dificuldade de Maycon (Edilson Silva) em dar conta de todas suas obrigações e desejos. Seja diante das tarefas paternas ou mesmo com a conciliação do tempo de trabalho, o personagem apenas sobrevive em meio ao acúmulo de funções. É um retrato que não parte da idealização de suas lutas, mas sim de sua fragilidade diante de uma sociedade burocrática, que recusa a presença da criança em local de trabalho, desconhece a realidade individual e ainda culpa/julga quem faz o que é preciso para colocar a comida na mesa.

Está claro que parte dessa narrativa o cinema já mostrou algumas vezes, tanto no universo feminino, quanto no masculino (ainda que, compreensivelmente, em sua minoria), porém o que distancia o projeto de um “Algum Lugar Especial”, que chegou ao Brasil este ano, é necessariamente a condição de subdesenvolvimento dos personagens. A própria questão da aproximação do fim da vida, não é um ponto tão drástico aqui, pois em “Mirador” o Estado não é capaz de fazer nada, nem mesmo de conseguir uma creche para a filha, Malu (Maria Luiza da Costa). Assim, o filme inicialmente se inicia como um estudo de personagem, que irá compreender cada desdobramento dessa história no ponto material e psicológico da situação. Porém, desvencilhando-se da oratória nesse desenvolvimento, cabe à Edilson conseguir dar vida ao personagem sem grandes maniqueísmos do roteiro. E isso funciona muito bem porque não há grandes transparências do que se passa em sua cabeça, pelo contrário, poucas vezes o espectador tem plena certeza de suas atitudes. Não por acaso, aos poucos, vemos que suas explosões de raiva se tornam constantes e imprevisíveis, ainda que com boas razões.

A dinâmica que Bruno Costa assume nessas tensões é particularmente interessante, pois não assume a cena como único gatilho possível, pelo contrário, a câmera acompanha os movimentos de seu protagonista, seguindo seus passos de perto com uma montagem mais acelerada. Essa consciência na própria encenação, separa o longa dessa verve realista observacional que tomou conta de parte da cinematografia brasileira. Nesse consenso, as coisas acontecem em tela e tudo é passivo diante das ações dos personagens, das pessoas ao seu redor e do próprio “organismo urbano”. Em “Mirador” não se assumem terminologias limitadoras, os personagens são guiados pela sobrevivência, boa parte dos assuntos caseiros é a comida e a câmera não se abstém desse universo, constrói ele no rigor dessas fricções. Sem julgamento moral ou indiferença com as atitudes, a imagem só encontra paz na hora do “repouso”, que surge na sequência de uma degradação moral de Maycon. Sua luta por dignidade, e de sua filha, é a única coisa que o mantém de pé. Grande parte de seus conflitos não são por motivos particulares, mas refletem uma questão social brasileira, mal resolvida, que aqui encontra espaço no universo masculino. Djonga já disse que “É triste ver que os moleque da minha quebrada, Não teve a mesma sorte que eu, Um pai presente, No país onde o homem que aborta mais”.

“Mirador” não é sobre a exceção, mas sim a dignidade posta em cheque frente uma situação que ao surpreender o espectador, explicita a decadência de um Brasil. Muito distante do pindorama, o corpo e sotaque pernambucano de Maycon é fetichizado pela classe média que não apenas mantém de pé seus baratos sexuais, como procuram subjugar as classes menos favorecidas. O mais tóxico disso é notar que a crença que eles estão sendo subjugados não passa pela compreensão do serviço contratado. Quando alguém disse que nos trópicos faz calor, cabe ao protagonista desafiar o que antes entendia como masculinidade. Não existe aqui um herói, no arquétipo clássico, mas sim um brasileiro, que precisa cuidar de si e de sua filha, nem que para sentir que ainda respira, precise ir aos ringues, de boxe e da vida.

3 Nota do Crítico 5 1

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