Milton Bituca Nascimento
Estranheza em despedida
Por Vitor Velloso
Mostra de Cinema de Tiradentes 2025
Dirigido por Flávia Moraes, o documentário “Milton Bituca Nascimento” acompanha a turnê de despedida de Milton Nascimento e conta com a narração de Fernanda Montenegro, guiando o espectador por um filme que celebra a carreira do cantor.
O longa tem muita dificuldade em encontrar um ritmo que não seja mecânico e pré-definido pela lógica industrial, transparecendo uma relativa falta de interesse pelo artista e por suas músicas. A sensação constante de que não há uma estrutura de desenvolvimento permanece até os últimos minutos, com passagens desconexas, uma progressão travada pela ausência de foco, um ritmo constrangedor e uma narração que não acrescenta nada ao filme. Assim, o que deveria ser um produto que celebra a carreira de Milton Nascimento torna-se um grande exercício cinematográfico de repetição formulaica e desperdício de material. Conforme a projeção avança, mais temos certeza do compromisso da montagem em seguir uma certa proposta institucional, quase procurando um objeto para apresentar, mesmo que sem saber por onde caminhar. Ou seja, acompanhamos paisagens aleatórias de Minas Gerais, um depoimento ou outro solto na estrutura, uma grande dificuldade de se conectar com as músicas e alguns bastidores de Milton conversando com amigos e admiradores.
Dessa forma, “Milton Bituca Nascimento” parece ser organizado para uma desconexão linear, quase abraçando a aleatoriedade, o que não reflete a arte de uma das vozes mais lindas do planeta, nem contribui para refletir sobre o lado pessoal de Milton. O caos é tamanho que os depoimentos, as viagens e os constantes elogios (que, apesar de merecidos, tornam-se uma das poucas ferramentas do longa para enaltecer Milton) se embaralham sem nenhum tipo de propósito ou fim. Em determinado momento, é possível revirar os olhos para cada novo trecho da narração de Fernanda Montenegro, o que é necessário ser mencionado, pois a grandiosidade dos artistas envolvidos aqui é tamanha que, teoricamente, o espectador poderia distribuir constantes sorrisos durante a projeção. Contudo, além dos comentários genéricos dos norte-americanos, que somam muito pouco à grandeza de Milton, o filme não soube utilizar imagens de Minas Gerais, não compreende a necessidade de apresentar o contexto social da região para a construção da obra de Milton e de sua vida pessoal. Assim, é tudo tão pré-definido e formulaico que o longa parece um institucional encomendado por alguma televisão estrangeira, pois soa completamente alienígena à realidade e carreira que supostamente está homenageando.
Conforme a projeção avança, mais cansativa se torna a experiência, já que toda essa desorganização mantém o público cada vez mais distante de seu objeto e com baixo interesse no projeto, tornando as duas horas de duração realmente desafiadoras. Entretanto, não é apenas a desorganização e a falta de rumo que incomodam aqui, mas também a ausência crítica da figura de Milton Nascimento ao longo do filme, que surge como uma figura fantasmagórica em determinadas passagens, quase de forma premonitória sobre seu fim. Sua própria aparição é escassa e, quando ocorre, é desprovida de qualquer sentimento explícito, mantendo a sensação de um filme que não está exatamente interessado em nada, apenas em registrar de forma fragmentada uma situação e contexto de grande oportunidade, que irá garantir algum tipo de distribuição e exibição nos cinemas e televisões do país, em razão da turnê de despedida.
“Milton Bituca Nascimento” não conseguiu agradar nem mesmo os fãs de Milton durante a exibição na Mostra de Tiradentes, que contou com algumas desistências durante a projeção, pelo caráter institucional e industrial. Apesar disso, é uma pena que o filme tenha encontrado dificuldades para ser exibido no Cine-Praça, devido às constantes chuvas durante a edição. De toda forma, a sessão remarcada contou com grande presença e reforçou a força da música do artista, especialmente em solo mineiro, ainda que o próprio longa não contribua de forma direta para que os espectadores possam curtir a música, já que há pouco espaço para esses momentos e uma grande quantidade de interrupções. A narrativa do documentário acaba, assim, por se perder em uma tentativa de abarcar demasiados aspectos da carreira de Milton Nascimento, sem oferecer uma reflexão profunda sobre sua trajetória artística, reduzindo a complexidade de sua obra a momentos fragmentados e desarticulados.
Pelo menos tivemos acesso à Milton cantando “Para Lennon e McCartney” em Nova Iorque, uma imagem divertidíssima e que foi capaz de provocar um único sorriso durante a sessão.