Milagres do Amor
Nem milagre dá conta
Por Vitor Velloso
Cinema Virtual
A máquina de xerox foi religada. Vindo diretamente da Turquia, “Milagres do Amor”, de Mahsun Kırmızıgül, é tudo aquilo que o cinema comercial de importação precisa. Uma história de superação, trilhas emocionantes, uma reviravolta brutal em toda a trajetória dramática e toda a ladainha de clichês que já conhecemos. Se parasse por aí, já teríamos um produto intragável, mas todos os arquétipos são implementados na estrutura mais convencional possível, comercialmente.
Nada aqui está posto por acaso, cada elemento do projeto está mirando cifras, desde sua pretensão cinéfila de recompor através de personagens e diálogos, uma espécie de mapa do cinema, onde se discute as influências culturais naquela região, através do cinema americano. E mesmo que discuta com certo tom irônico a imposição comercial do mesmo, parece defendê-lo com unhas e dentes em toda sua construção, pois copia a fórmula do dinheiro. Cria-se toda um arcabouço ignorável de histórias paralelas, com intuito de emocionar o espectador, manipular o mesmo para que haja lágrimas constantes. A música se eleva, um diálogo expositivo, aos berros, se inicia, uma queda lenta, a frase de impacto profundo, a música segue seu rumo, como seus personagens.
O Mickey Mouse aplaude de pé. É tudo tão marcado e baseado na mímica audiovisual, que até a luz que atravessa uma locação precisa saltar aos olhos. Em um dos primeiros planos, há tanta fumaça no vagão que só se vê a luz, mas não seu personagem. E esse é o interesse que o filme tem em seu personagem, um pano de fundo para cifras e exposição técnica de “podemos fazer cinema”. A falta de empenho é tamanha que em cada um de seus eixos narrativos, podemos ver o esforço em tornar o comum, geral. Em “Milagres do Amor”, cada estereótipo é colocado em um pensamento friamente calculado, para que haja essa comoção generalizada. Aqui, devemos fazer uma breve separação entre este estereótipo e o comum de uma sociedade, a diferença está propriamente no olhar que se dá para essas relações. E como dito, Mahsun Kırmızıgül não possui a menor empatia com o drama, apenas quer forçar o sentimento no filme e nas pessoas.
O Aziz, interpretado por Mert Turak, é um personagem não consegue cativar por mérito do longa, mas que se apoia em uma provável empatia do público, até consegue mas acaba torrando toda sua munição nas largas discussões expositivas que resultam na mesma frase “Mas ele tem um bom coração”. Até o preconceito é um arquétipo dado. Um produto feito por encomenda, pra gringo ver. Exportação.
Turak faz um esforço tremendo para chamar atenção para si, tentando carregar o peso da narrativa nas costas, literalmente. Busca uma certa aproximação à encenação, se colocando sempre como centro das ações, mas não consegue grandes feitos pois o diretor continua a filmá-lo como um objeto estranho no quadro. A frase aqui, obviamente, não diz respeito à estrutura física do personagem, mas sim o modo que Mahsun buscou ao retratá-lo.
Sendo facilmente comparável aos famosos filmes da fé, “Milagres do Amor” é produto semi-pronto, só colocar na máquina de xerox e se deliciar. A eterna venda de um ideal, seja ele social, econômico ou moral, é a pauta máxima da cinematografia da fé, ou poderíamos chamar de, “pague para que haja fé”? Os filmes são construídos em torno de uma conjuntura onde parece estar localizado em apocalipse absoluto fora da tela, uma espécie de degradação da sociedade, em diversos níveis, onde a salvação é dada através dessa crença interpessoal. É um desenho de sociedade bastante bonitinho, mas demasiadamente otimista, onde deixa o eixo positivo da coisa, para tentar encantar com o irreal. Dar esperança não é um problema, mas vender uma falsa, sim.
E este é o problema do cinema comercial da superação, da fé, da constituição de “família”, da mulher mais linda da cidade que se casa com o homem mais “humilhado” da cidade, é que no fundo, não passa de um outdoor bonito que Hollywood implantou nos olhos do povo, que jamais deve ser culpado por essa doutrinação imagética, o ataque está em outra ordem, em outro continente. A Turquia entrega o filme “instantâneo” do ano, só seguir a fórmula que é sucesso.