Meu Extraordinário Verão com Tess
A convenção novelesca
Por Vitor Velloso
Cinema Virtual
“Meu Extraordinário Verão com Tess” é uma espécie de alívio no meio desse período de isolamento social. E é fácil reconhecer isso. Não se trata de emocionar-se com o filme, muito menos abraçar suas propostas formais, mas de vermos novamente um ambiente fora desse mundo virtual que estamos convivendo. O projeto é o novo lançamento da Cinema Virtual.
O longa dirigido por Steven Wouterlood é uma adaptação do livro homônimo de Anna Woltz, e tenta um olhar brevemente distante daquela construção narrativa norte-americanizada. Acaba cedendo espaço para outras propostas convencionais, mas conduz seu drama de maneira bastante consciente. Mas irregular.
Um dos pontos mais explícitos de “Meu Extraordinário Verão com Tess” é seus altos e baixos durante a exibição, o ritmo que parece não se encontrar e a constante mudança de compreensão do drama. A primeira metade é sintomática neste ponto, a abordagem concebe uma certa inocência, na forma e em seus personagens. Tudo se encontra suspenso de uma realidade, a arbitrariedade reina, o acaso é o definidor da trama. Porém, se a mudança de tom deve ser feita, o filme se apoia nos diálogos para conceber esse gatilho inicial para mudanças bruscas no drama, utilizando o vácuo que deixa para nos mostrar a beleza das paisagens.
E nessa proposta, nada parece ter importância dentro da história, o olhar lúdico que há durante grande parte não possui um contraponto imagético específico, na primeira metade, então, novamente, se apoia nos diálogos, em frases soltas, que são ditas fora de contexto para gerar uma certa estranheza pro espectador e causar esse impacto, de algo nas entrelinhas que sempre retoma à morte, perda etc. E os dados vão sendo jogados, na intenção de gerar um súbito interesse no público, mas acaba transformando a progressão em algo penoso e prosaico, tão desmotivado de algo concreto, que é fácil perder o foco. Parte disso vêm de uma resolução pouco comum no cinema comercial estrangeiro, uma conscientização da imaginação como fruto de um processo traumático e de uma ausência que só se explica na cicatriz.
Mas isso parte de uma questão própria e até autêntica? Não. Impossível negar que há uma novela em andamento, as reviravoltas se dão através de um conteúdo programático, que vai se desmantelando conforme a imaginação dá lugar à realidade. E essa transição é absolutamente artificial, possuindo eixos bastante frágeis. A cena em que Sam (Sonny Coops Van Utteren) para o carro para contar a verdade, é tão marcada na misancene e no drama que transforma a narrativa em um episódio final de novela, onde as coisas chegam ao seu reencontro, uma espécie de redenção etc.
A ligação não é à toa, a linguagem de “Meu Extraordinário Verão com Tess” não se distancia muito de uma produção televisiva (onde o diretor construiu parte de sua carreira). E aqui não cabe um tratado sobre as transas da TV com o Cinema e vice-versa, mas onde essa relação ocorre de maneira mais latente. E é aí onde o projeto consegue ganhar seu prestígio de alguma forma, pois ainda que constitua sua verve novelesca, consegue trabalhar o drama de maneira minimamente diferenciada do programa financeiro e moral da cartilha industrial. Pois negligencia os arquétipos dados pela elite do capital financeiro, com seus dogmatismos obscenos, para entregar uma personagem como a Tess (Josephine Arendsen). Forte, imaginativa, independente (mas nem tanto) que ainda sim consegue ser uma criança.
E essa é a chave do longa, tudo é dado através de olhar bastante inocente, onde as crianças, em meio à uma trama digna de filme, ainda conseguem exercer seus papéis de criança, em especial quando tudo se encaixa, pois a ausência gera uma perda de inocência bastante notória na abordagem dos dois protagonistas.
Cabe um comentário sobre a interpretação bastante convincente de Josephine Arendsen, que em pequenos gestos é capaz de expor um sentimento com uma força única e própria.
“Meu Extraordinário Verão com Tess” é uma espécie de filme cristão, com pitadas de “Lady Bird” e uma amizade à la “Stand By Me”, construída na base de um possível romance, onde os adultos mal tem nome, possuem relações duvidosas com os perigos e a morte. É consciente da maneira que tenta desconstruir um estereótipo de masculinidade e apela pro olhar cândido da criança para que esse otimismo possa transbordar a tela. Mas… as crianças não são exatamente o exemplo de pureza, muito menos de verdades, então o projeto se torna um pouco deslocado do próprio discurso.