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Crítica: Lady Bird – A Hora de Voltar

Da impulsividade do voar ao querer da construção do ninho

Por Lisandra Detulio

Correspondente Direto de New York


Há no Vertentes do Cinema uma característica-consequência que atinge todas suas críticas: a de maturar suas percepções analíticas sobre os filmes, principalmente quando são bons demais. “Lady Bird”, da atriz, agora estreante diretora, Greta Gerwig (mesmo tendo dirigido em 2008 com Joe Swanberg o drama “Nights and Weekends” e atuações eternizadas em “Frances Ha”, de Noah Baumbach, e em “Para Roma Com Amor”, de Woody Allen), é um desses desafios a escrever, mesmo assistido duas vezes na semana de estreia em New York.

É um filme sobre crescer. Sobre aceitar e entender a maturidade que se apossa de Christine McPherson (a atriz Saoirse Ronan, de “Brooklin”), que está no último ano do ensino médio e o que mais deseja é ir fazer faculdade longe de Sacramento, Califórnia, ideia firmemente rejeitada por sua mãe (a atriz Laurie Metcalf). O que em um primeiro momento poderia ser imposição-ditadura familiar, ao longo do filme, nós percebemos que é a incrível arte da proteção, que busca impedir um possível sofrimento.

“Lady Bird”, selecionado para o Festival Internacional de Cinema de Toronto 2017, indicado ao Globo do Ouro 2018, e uma das apostas ao Oscar 2018, é sobre confrontos e conflitos de sua adolescência. De suas escolhas limitadas pela família sem recursos financeiros. De suas amizades com tipos não padronizados. De seus amores. De suas descobertas. De suas transformações. Tudo entre mentiras, decepções e decisões erradas pela imaturidade inerente da idade. Enquanto sua hora não chega, no entanto, ela se divide entre as obrigações estudantis no colégio católico, o primeiro namoro, típicos rituais de passagem para a vida adulta e inúmeros desentendimentos com a progenitora.

É sobre embates de gênios, dureza versus força. Dominação versus rebeldia. Mudar o nome talvez seja a forma mais inocente e definitiva de auto-revolução. De não deixar morrer os impulsos-vontades à expansão dos sonhos. Saoirse Ronan entrega-se sem ressalvas e medos da volta, imprimindo personalidade única em uma narrativa naturalista. Sua família é tão normal que soa disfuncional aos olhos mais moralistas.

O longa-metragem apresenta um controle absoluto “sortudo” da direção ao desenvolver com espontaneidade suas ações e reações. O roteiro, com suas frases e sacadas sutis e espirituosas, é um dos pontos mais fortes do filme, porque os personagens interpretam diálogos mais realistas, como um documento filmado da própria vida.

Por exemplo, quando os pais estão em conflito, ela pergunta ao pai se eles vão se divorciar e ele responde “Nós não podemos pagar isso” em tom trocadilho-sarcástico-cúmplice de leve alívio cômico. Um drama descontraído, quase comédia. Mas não é um drama-comédia. É sutil. E ou quando o médico diz “como “O que você quer que façamos? Ela está bêbada”. Outro ponto irretocável é a direção de atores, que fornece verdade documental e não encenação teatral.

É um filme de ator. Neste caso, de atriz, realizado para que Saoirse Ronan brilhe completamente. E ela supre de forma magistral e impecavelmente. Ela é o próprio papel e o papel é ela, muito por contar da vida normal, do cotidiano, do dia-a-dia, que ora é chato, ora tedioso, ora arrastado, ora feliz, ora sôfrego, ora ganhando, ora perdendo.

“Lady Bird” não tenta inventar nada, tampouco a roda. Busca a simplicidade das imagens para construir a história. Possui um cadenciado tempo próprio sem exagerar. A diretora corrobora a máxima do cineasta português Manoel de Oliveira que diz que “cinema não deve recorrer a elementos ilusórios” e do mestre Woody Allen que realiza filmes elevando a importância em seu cru conteúdo desenvolvido.

A fotografia busca a nostalgia conjugada com uma direção de arte vintage (com seu figurino próprio e convincente), mas tudo trazendo temporalidade ao presente. Vivemos o passado pautado no agora. Talvez a ingenuidade da Greta como diretora tenha feito o filme ser tão espontâneo e encontre a redenção sentimental da sensibilidade da dureza. Com cartas encontradas e escondidas. E mensagens de libertação de toda uma vida. É sobre aceitação e sobre entender o que ela realmente é, ora com fúria da adolescência, ora com impaciência, ora com imediatismo, ora com imprudência. Tudo é permitido, orgânico e humanizado. E assim, seus ensinamentos convergem na conformidade. É a parte da vida. Faz parte do show. É momento do despertar. É aceitar o “nome que a mãe lhe deu”. É o show de Greta. É o show de Saoirse Ronan.

4 Nota do Crítico 5 1

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