Curta Paranagua 2024

Meu Amigo Robô

Simplesmente denso: novos caminhos para a felicidade

Por Vitor Velloso

Festival de Cannes 2023

Meu Amigo Robô

É interessante que um filme sem falas consiga apresentar tantos aspectos em uma narrativa aparentemente simples, transmitindo uma série de emoções/sensações a partir de como as relações se modificam com o passar do tempo e é possível encontrar novos caminhos para a felicidade ainda assim. “Meu Amigo Robô”, de Pablo Berger, é uma boa surpresa no início de 2024, pois consegue levar para o cinema algo que é particularmente difícil: a compreensão de como funciona uma adaptação de uma novela gráfica para a telona, especialmente com a característica de não possuir diálogos. 

Neste sentido, é realmente impressionante que as sequências possam apresentar tantas camadas distintas, desde a compreensão da solidão, o preenchimento desse vazio e a demonstração de ingenuidade diante de um romance novo. E isso tudo, “Meu Amigo Robô” entrega apenas em sua introdução, com enorme sensibilidade e compromisso com essa construção cuidadosa de pequenos detalhes do cotidiano dos dois personagens. Sem dúvida, a maior proposta do projeto está a partir do momento que um acontecimento separa os protagonistas. A partir daí, o filme demonstra as inúmeras tentativas de reencontro, passando desde a questão de datas comemorativas até a impossibilidade por uma barreira física, desencontros etc. De alguma forma, o longa trabalha tantos processos distintos da vida, que até os oportunistas aparecem rapidamente durante a projeção. E essa suposta “estagnação” na narrativa, leva o espectador a contemplar rapidamente como cada um pode seguir sua vida, superando essa necessidade da presença física do outro, mas sem o esquecimento. 

E por esses motivos brevemente apresentados, fica claro que não se trata de uma animação para crianças, mas sim de uma larga reflexão sobre múltiplas questões que podem ser discutidas nesta obra. Seja a proposição de tratar a amizade e o romance como esta construção do cotidiano, até o fim dessa relação por inúmeros fatores. Assim, conforme a obra avança, ela não precisa se tornar apelativa ou cair nas armadilhas mais fáceis que o cinema convencional propõe, podendo até mesmo frustrar uma parte dos espectadores, mas a jornada compensa para aqueles que decidirem acompanhar ela com atenção. De toda forma, não são apenas elogios para “Meu Amigo Robô”, pois em determinado momento é possível sentir alguma exaustão na forma como essa história se divide em duas frentes, majoritariamente demonstrando o cotidiano dos personagens, quase que perdendo o rumo propriamente dito. E mesmo essa seja a intenção de Pablo Berger, a queda de ritmo incomoda em algum grau e essa minúcia perde um pouco sua objetividade de construção, por vezes ficando arrastado. 

Ainda assim, a forma como um olhar, um som ou um gesto pode transmitir sentimentos profundos ou apenas uma comunicação prosaica, faz com que cada pequeno momento possa ser especial, mesmo que exista uma tendência do espectador de banalizar esse “detalhe”. Além disso, é um dos filmes recentes que possuo no sorriso, um de seus significados mais satisfatórios e ambíguos, por justamente flertar com a ingenuidade da paixão em algumas sequências e conseguir uma contraposição com a introdução que nos é apresentada. São as múltiplas possibilidades que fazem suas cenas poderem perdurar como retrato de uma memória, uma representação daquele fragmento, que não se perde com afastamento, mas é transposto para outro lugar, ainda que permanecendo como uma bela lembrança. É belo notar que o filme não se acovarda em sua reta final, mesmo tensionando as emoções do espectador, entregando aquilo que acredita para a resolução da narrativa. 

“Meu Amigo Robô” é uma bela surpresa para quem procura descobrir obras fora do grande eixo de circulação cinematográfico neste início de ano e sem dúvida é capaz de emocionar o espectador que embarcar na experiência. Talvez peque no exagero de procurar as minúcias dentro de seus blocos, mas demonstra uma grande maturidade no trato com a linguagem, para realizar um filme sem diálogos, tão complexo e mesmo com suas diferenças formais explicitas, não deve nada ao formato dos quadrinhos sem falas.

3 Nota do Crítico 5 1

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