Mascarados
Pedreira de São Diogo Contemporâneo
Por Vitor Velloso
Crítico convidado pela Mostra de Tiradentes 2020
“Mascarados” é um projeto que se apresenta de maneira brevemente diferente do restante das obras assistidas ao longo da Mostra Aurora nessa 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Isto porque o longa-metragem não segue à risca a “escolinha” de filmes feitos para vencer a competição. Não à toa seus minutos finais são mais potentes do que outros momentos da obra, pois consegue conciliar a questão trabalhista que circunda todo o resto da projeção de tal maneira que quebra certa liturgia em prol de uma movimentação formal. Movimentação essa que se intensifica em corrida e fuzil.
Dirigido Marcela Borela e Henrique Borela, “Mascarados” consiste em mostrar a precariedade das condições de trabalho de seu protagonista, um homem que trabalha quebrando pedra, à luz de sua insatisfação com toda a situação que envolve tal regime. Historicamente, o quebrador de pedras é o trabalhador que mais sofre com abusos e desrespeitos em seus direitos trabalhistas formalmente constituídos. Não à toa esse objeto já fez parte da temática de outras obras cinematográficas ao longo dos últimos anos. Do ponto de vista político o assunto dá muita abertura para que haja debate e revolta contra o Estado e a propriedade privada. Desta forma, “Mascarados” atinge um ponto quase paralelo ao tema, pois envereda de maneira a se relacionar em maior grau com as questões dramáticas que se aplicam ao protagonista. Com isso, acaba que a latente força de seu debate se perde, visto que esse grau de subjetividade aqui levantado acaba dominando o filme.
Todavia, ainda que essa questão seja objeto central da unidade estrutural do projeto, ela acaba servindo de palco para uma fragilidade que não se sustenta em sua intencionalidade. Isso ocorre porque não se justifica as dúvidas de seus personagens e o eixo descabido que jamais sai do lugar, se tornando uma repetição pouco honesta com a narrativa. Essa alienação representada não consegue ser debatida em sua plenitude. Neste quesito, o curta-metragem “Rancho da Goiabada” (que fez parte da Mostra Foco, também em Tiradentes) discute com mais veracidade o trabalhador que se sente alheio ao mundo exterior do trabalho braçal. “Mascarados” possui a virtude de estruturar com certa propriedade os contornos que levam ao final da projeção, mas acaba perdendo tempo demais com a proposição do cotidiano de seu objeto central.
Dessa maneira, é quase paradoxal o que ocorre durante o filme, pois há a intencionalidade de mostrar essa mudança direta de acordo com as situações trabalhistas. Porém, essa opção em se perder na contemporaneidade do cinema nacional, da conceituação estética da forma fílmica em transformação estoica (perdão o paradoxo), acaba aproximando o longa-metragem de seus concorrentes dentro da programação da Mostra Aurora. Neste sentido, o que como já dito aqui e em outras críticas em nossa cobertura, torna-se uma repetição de linguagem, muito pouco bem-vinda, já que a inventividade é a proposta da temática desta edição em específico.
O destaque para a obra fica exatamente por conseguir se distanciar um pouco da intenção inicial ao alcançar seu clímax dramático, pois ao menos se arrisca em concretizar um sentimento que vai sendo trabalhado o tempo inteiro. Acaba culminando nesse êxtase de explosão raivosa que resulta apenas em uma resolução dramática para o personagem, mas pouquíssimo recompensadora para o público ali presente. Outra questão que é necessária ser dita diz respeito à qualidade do trabalho da fotografia, que não só impulsiona esteticamente “Mascarados”, como consegue construir junto com todas as outras questões da produção.
A possibilidade da catarse da questão que é abandonada por essa passividade constante de todos os personagens do filme, acaba frustrando toda a experiência por essa necessidade fálica de debater uma pessoalidade com sinuosidades familiares e amorosas. Ainda que haja uma humanização por tais escolhas, não consegue viabilizar uma revolta por parte da sessão, pois acaba caindo nessa questão conciliatória com um cinema mais apaziguador, que apenas expõe os problemas, trata dos mesmos, mas jamais amplifica a resolução deles. Quando tenta extrapola na abordagem conciliatória, demonstrando essa falta de atitude durante todo o resto da projeção, logo, acaba forçando um pouco a estrutura que se dá.
“Mascarados” não é um desastre semelhante a outras coisas exibidas na 23ª Mostra de Cinema de Tiradentes. Pelo contrário, revela um potencial importante para uma nova versatilidade da cinematografia brasileira, mas ainda demonstra os fantasmas desse excesso de reverência a outros autores.