Mostra Um Curta Por Dia 2025

Margeado

Eloquência imagética e seus constantes desvios

Por Vitor Velloso

Assistido presencialmente na Mostra de Cinema de Tiradentes 2025

Margeado

O primeiro filme da Mostra Aurora deste ano foi “Margeado”, de Diego Zon, que inicia a Mostra de Cinema de Tiradentes 2025 com uma das principais características da Aurora: seu caráter de repercussão polarizada no festival. O longa tem seu caráter político inerente a toda a sua narrativa, marcada por crimes ambientais e suas consequências para a vida de seus personagens de forma direta, tanto em seus territórios quanto em suas formas de ir e vir, enxergar o mundo, lidar com os problemas etc. A mudança drástica, em que qualquer possibilidade de resolução está além de suas capacidades, faz com que o drama dos personagens seja representado como um peso constante, que consome o espectador pela expressão exaustiva de suas falas e gestos.

Contudo, esse arrasto emocional que se apresenta ao longo do projeto sofre um revés no desenvolvimento deste sentimento amargo, pois o roteiro contém alguns diálogos realmente descolados, por vezes enviesados para uma poética de sofrimento que se materializa no contexto e na condição de seus personagens, mas deslocada de uma realidade material e da proposição estética do longa. “Margeado” sofre para encontrar uma forma de representar suas problemáticas e conflitos, transitando entre distintas histórias, questões e linguagens. Nesse sentido, apesar da grande capacidade de gerar impacto com as imagens, sobretudo pelo trabalho da direção de fotografia, assinada por Renato Ogata, o filme tem muita dificuldade de encontrar uma estética para se desenvolver, especialmente quando transita entre planos detalhe, sombras fortes e toda uma construção que parece enrijecida por uma necessidade de transformar cada plano em uma possibilidade de contemplação, ainda que não permita uma fluidez entre os planos. Assim, a montagem, assinada por Joana Baptista e Diego Zon, impede que esses planos tenham força de forma destacada, pois existe uma quebra do ritmo, especialmente entre os núcleos narrativos e as histórias cotidianas de cada personagem, criando um descompasso que dificulta a experiência para o espectador. Não por acaso, a sensação é de uma obra que não encontra seu compasso, nem mesmo como desenvolver sua grande problemática, tampouco uma frente oposta aos dramas de seus personagens, tornando parte das críticas aos crimes e aos culpados, quase nunca nomeados, uma verve moralista de acusação ou questionamento.

Essa desconexão aparente entre os núcleos gera uma percepção de que “Margeado” se arrasta por diferentes caminhos, sem permitir que haja uma característica particular entre eles ou uma ligação que não seja contextual de forma superficial. Inevitavelmente, muitas vezes os diálogos transitam entre uma poética e uma abstração, como um véu comum que possa criar conexões, mas que nunca encontra força na narrativa ou na encenação. A exceção são as lamúrias progressivas de uma personagem no ônibus, em uma cena que é capaz de gerar desconforto pela duração e cadência, ainda que consiga transmitir o vulcanismo dos abalos sofridos pelos personagens inseridos nesse cenário. A falta de expressividade em determinadas interpretações também pode distanciar parte do público, já que, além dos diálogos não sustentarem parte de seus conflitos e dramas, a voz parece sempre sussurrar uma exaustão ou tristeza, porém de forma artificial, menos livre para criar essa composição quase apocalíptica de uma estafa generalizada e mais disposta a trabalhar dentro de um consenso estético estabelecido nos circuitos de festivais de cinema ou na estética de obras que se aproximam desses circuitos. Assim, parece mais um apoio para o desenvolvimento da narrativa do que necessariamente uma decisão estética consciente das possibilidades geradas por essas expressões de trauma.

“Margeado” surge como um projeto sintomático dos últimos anos da Mostra Aurora, com um filme ambicioso, que encontra objetos para desenvolvimento e articulação, mas não encontra uma linguagem de forma decisiva. Pelo contrário, parece transitar entre as diferentes possibilidades da forma, com a intenção de ser um cinema errático e variante. O que poderia funcionar se a fluidez das sequências não fosse tão interrompida por diálogos expositivos ou deslocados de uma crítica política ou humana concreta, sem recair nas constantes lamúrias morais de um filme bem-intencionado. Porém, a variância desse descompasso surge como uma falta de norte, soando como uma obra que dispara em diferentes possibilidades para sucumbir em maneirismos contemporâneos que já saturam a Aurora há algum tempo. Infelizmente, o impacto imagético, verdadeiramente belo em determinados momentos, impede o público de mergulhar em suas histórias e sentir essa carga de afundamento progressivo de seus personagens, sendo mais artificializado que efetivo.

2 Nota do Crítico 5 1

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