Lua Cambará – Nas Escadarias do Palácio

Encruzilhadas mitológicas

Por Vitor Velloso

Mostra Internavional de Cinema de são Paulo 2025

Lua Cambará – Nas Escadarias do Palácio

A importância de Rosemberg Cariry para o cinema brasileiro da década de 1990 é indiscutível. Seu longa de 1996, “Corisco e Dadá”, não só representa um respiro e um bom exemplar de um contexto turbulento do cinema nacional, como também (re)populariza a ambição de compreender a base da cultura popular como ferramenta para estruturar sua narrativa, tendo em vista a tradição da oralidade como principal veículo de manutenção dessa história.

Porém, aquilo que funcionava relativamente bem no filme de 1996 não se sustenta tão bem em “Lua Cambará – Nas Escadarias do Palácio”, devido a uma certa tentativa de imposição estilística e ao esforço de tensionar a base mitológica da protagonista com uma espécie de estrutura histórica fixa. Ou seja, não há exatamente uma construção que permita ao espectador ser apresentado às suas ações, contradições e lutas.

O problema aqui não é assumir uma proposta de realismo fantástico antes de introduzir a perspectiva histórica — pelo contrário, essa decisão é ótima e poderia render uma abordagem grandiosa para Lua Cambará, especialmente se a exposição da dimensão extra(meta)física de sua história, introduzida nos primeiros minutos do filme, tivesse verdadeiro impacto na estrutura do longa. Por exemplo, a consolidação da figura mitológica de Lua é fruto daquilo que o filme deseja demonstrar, mas a cena que nos insere nessa atmosfera mística de sua presença é tão descontextualizada e sem força que compromete todo o início da projeção.

Nessa perspectiva, o que mais causa estranheza é o fato de que a fotografia de Antonio Luiz Mendes e a composição de Rosemberg criam planos belíssimos, de grande impacto imediato. Mesmo que haja certa artificialidade na construção de algumas sequências, a proposição imagética dessa narrativa é inquestionavelmente potente. Contudo, “Lua Cambará – Nas Escadarias do Palácio” se perde na construção dramática básica: apresenta conflitos e não os encerra, descarta personagens para movimentar a narrativa e cria situações caricaturais para gerar uma catarse que nunca foi devidamente orquestrada. A cena do assassinato do major é um exemplo disso. Por mais que exista uma base dramática para a cena e que o impacto visual e narrativo seja eficaz, sua construção soa estranha à obra, feita por meio de um dispositivo novelesco — desde o leito de morte até a anunciação na escadaria.

Assim, dentro das sequências contrastantes do filme, algumas ideias parecem desalinhadas, fora de lugar, como se houvesse pressa para resolver determinadas situações narrativas ou para apresentar uma conclusão que surpreendesse o espectador. Porém, é nesse descompasso que “Lua Cambará – Nas Escadarias do Palácio” se forma como um corpo estranho: ao mesmo tempo em que parte da dinâmica de construção desse cenário de preconceitos e questões sociais estabelecidas — de forma mais ou menos explícita, como no caso do personagem que mostra o peito e diz constantemente que o dele “é branco” — contribui para a compreensão da protagonista e de sua importância histórica e mitológica, tudo soa programático, como se conduzido artificialmente até uma resolução sobrenatural pouco orgânica.

E, nessa incerteza de construções, as belíssimas imagens que contemplam a figura mitológica — construída às pressas e de forma incerta — não dão conta de sustentar o filme. Aliás, essa cena inicial, que é retomada no fim da projeção, não parece dialogar com a própria base da história da personagem, ou pelo menos não há uma construção que torne essa menção ou ligação efetiva.

“Lua Cambará – Nas Escadarias do Palácio” tem sequências belíssimas, um exercício louvável de transformar em narrativa cinematográfica esse mito popular e uma dinâmica geográfica que gera algum interesse no espectador, mas carece de uma estrutura sólida para se desenvolver e, por vezes, parece excessivamente inclinada aos cacoetes novelescos, especialmente em diálogos dramáticos, como na já mencionada cena que anuncia a chegada do major para tentar reaver o cadáver do irmão. Inclusive, essa noção de propriedade, tão inerente à história de Lua e presente de forma macabra (porém cristã) nessa cena, é uma das perspectivas que poderiam ser exploradas com maior cuidado pelo roteiro, assinado por Rosemberg Cariry, que trabalha temáticas de grande interesse para a cinematografia brasileira, mas as escanteia para criar uma dimensão artificial — ainda que bela — de uma personagem que também é colocada em um lugar secundário, para que esse elemento fantástico se torne o verdadeiro protagonista. Ainda assim, essa noção, em meados dos anos 1990, é bastante imprescindível.

3 Nota do Crítico 5 1

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