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Los Lobos

Quero ser Projeto Flórida

Por Fabricio Duque

Durante o Olhar de Cinema 2020

Los Lobos

Há uma impossibilidade estrutural aos realizadores: a etimologia  intrínseca de se desvencilhar das referências cinematográficas, ora inseridas como homenagens, ora como seguimento doutrinário e ditatorial. Em “Los Lobos” (2019), do mexicano Samuel Kishi, que integra a mostra competitiva do 9o Olhar de Cinema 2020, nós espectadores encontramos “Projeto Flórida” (2017), de Sean S. Baker, não só por sua temática de contemplação intimista, mas especialmente pela crítica social de uma sociedade abandonada. Se lá, a história girava em torno de americanos em sobrevivência financeira, aqui, o protagonismo volta-se a imigrantes que lutam para se manter a visão “Eldorado” na geografia da Terra das Oportunidades. Outra referência perceptível é a do filme “Ninguém Pode saber” (2004, de  Hirokazu Koreeda), cuja trama aborda filhos com doze anos que precisam aprender a serem adultos. Se neste a mãe abandona, no do em questão aqui a ausência é consequência da batalha pela vida melhor.

“Los Lobos” apresenta narrativa orgânica a fim de mostrar as dificuldades (financeiras e da nova língua – quinhentos dólares por uma quitinete), e abusos de vulnerável, de uma mãe solteira, com dois filhos, em Albuquerque, fronteira com o México. A câmera acompanha suas personagens e busca captar a naturalidade do tempo presente, pela perspectiva das crianças, que imaturas ainda por causa da idade, aprendem “na marra” a conviver com o tédio, limitações, regras, impossibilidades e pequenas alegrias (gastronômicas). A família em destaque entende o valor do dinheiro e de que demandam de auto-proteção contra a desumanidade pragmática-robótica da vida hostil, mercenária e imensa (como um mar e/ou uma floresta com “lobos”). Contudo, não só de desgraças e desesperanças habita o filme. O roteiro suaviza e “facilita” a jornada deles com acasos solidários e o acolhimento por solitários e excêntricos orientais “salvadores”. Uma das cenas mais interessantes do filme é a das crianças ouvindo o chinês como se fosse inglês e sem entender nada, apenas a boa ação recebida.

Porém, com todo cuidado em manter a ambiência realista, o longa-metragem resolve escolher o caminho das características definidoras do cinema americano. Será este o objetivo? Traduzir em tela a percepção do povo do Tio Sam? Não se sabe, mas a decisão mergulha na pureza sentimental e no moralismo politicamente correto das boas condutas (regras gravadas e a punição imediatista quando alguma não é cumprida). Nesse espaço cênico, não há americanos. Imigrantes disputam forças como se parecessem a abertura de “2001 – Uma Odisseia no Espaço”, de Stanley Kubrick. Vence o mais esperto. “Los Lobos” é assumidamente um melodrama, que passa a mensagem que cada um sobrevive como pode. Pela ação física da mãe (trabalho), pela espera dos pequenos (a imaginação e os desenhos na parede – que se apoiam no adulto que faz o mesmo). Pela desistência de alguns moradores e pelo vislumbrar do dinheiro fácil de outros (sim, o final é feliz e a redenção chega por um “fantasma” – para assim conservar o novo conto de fadas moderno de uma Disneyland substituída por um local e possível parque de diversões, que por sua vez nos indica que a verdadeira felicidade está na essência e não nas posses). Embalado pela música “Cornerstone”, de Benjamin Clementine, e pelas animações que remetem a “Onde Vivem os Monstros”, de Spike Jonze, que inclusive o nome do personagem principal é Max.

“Los Lobos” é uma crônica, que repete a crítica já constituída da mão de obra barata por etnias necessitadas. Quanto mais assistimos, mais percebemos semelhanças com “Projeto Flórida”. A Disney, o avião observado, o tempo de sobra das crianças, os pais que trabalham, tudo junto com a citação de “Docinho da América”, podem gerar aquele incômodo cinéfilo de plágio criativo, não mais homenagem. Só que este galga atalhos moralistas demais a fim de se separar da sombra das obras citadas, entre julgamentos e culpas religiosas (ganhar comida se falar bem de Jesus). Os gatilhos comuns e clichês estereotipados são potencializados e causam ainda mais intolerância aos imigrantes. Será este um filme conservador? Não se sabe. Pois é, cada um tem o filme que pode e consegue ter (Projeto Flórida) e a Disney que merece, pode e consegue ter. “Los Lobos” é um típico exemplo de produção destinada a toda família. Que expõe até certo ponto as desgraças e que suaviza (“morde e assopra”) para que o público saia esperançoso da sessão, ainda que estejamos confinados, assim como a família mexicana de se aventura no sonho americano.

2 Nota do Crítico 5 1

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