Los Conductos
Pesadelo hermético do novo
Por Vitor Velloso
Durante o Olhar de Cinema 2020
“Los Conductos” de Camilo Restrepo é uma obra que remete, novamente, à uma construção que vem sem dada no Cinema Contemporâneo. É uma obra que reduz parte de sua estética ao rigor do plano e da montagem cadenciada.
Não é difícil enxergar um movimento de retorno às bases desse rigor na construção cinematográfica que vemos ao longos dos últimos anos. O cinema parece estar concentrando parte de seus esforços em assimilar uma contramão do fluxo de dados do presente. Assim, passa a exaltar o rigor do processo e da forma como motores primordiais de suas narrativas. A experiência se torna um fio condutor que se vê alinhado com um paralelismo da volatilidade do mundo contemporâneo. E tal desejo pelo fixo e a noção de espaço em ritmo distinto, vai sendo vista a olhos sensíveis ao longo dos anos. Essa espécie de contramão do fluxo, de um rigor que não se vê no âmbito mercadológico convencional, ainda que encontre representantes mais específicos, como “Tarde Para Morrer Jovem”, se vê tentada à formalizar a produção através de características tão caras a América Latina. E caberia discursar sobre como o processo de uniformização que vem mirando o realismo fantástico é um imaginário na produção cinematográfica que avança em alguns países e segue passos lentos em outros. Mas seguiremos falando de “Los Conductos”.
O filme possui um rigor estético tão acentuado que se torna uma obra hermética por suas composições construídas através de uma longínqua relação com o espaço e o tempo. Existe uma dialética presente em determinados planos, que está diretamente ligada às bases do materialismo. Enquanto uma proposição formalista, as repetições acontecem em vigência de trabalho, vícios e um apreço pela corrosão de uma moral para uma intensidade grave da dignidade. Aqui, existe um tom narrativo que sempre cumpre um ciclo incisivo quanto os desdobramentos desses retornos. Até mesmo o vigor de um plano passa a ser dado através de uma secção de seu ponto de fixação ao seu fim. As narrativas orais são um exemplo disso. Pois trabalha com a mimesis atravessada de quem assimila essa narrativa não imagética, extra diegetica, com o presente do rigor plástico. O momento de transição entre a cena dos cigarros molhados e sua epopeia pelo subdesenvolvimento e o capitalismo dependente, é um marco disso.
Os resultados desses ciclos de concepção do rigor enquanto forma e estrutura, geram reverberações interessantes na obra, pois não há propriamente uma unidade estética a ser seguida, mas sim um trânsito de ideias. De Paradjanov à uma particularidade densa, é possível reconhecer essa unidade formalizadora, estetizante, sem a inocuidade de uma arthouse. Exatamente por reconhecer em suas entranhas essas divergências entre o drama, a narrativa e sua universalidade através do ponto material em questão, aqui transmitido com mais vigor a partir de uma tradição imagética e oral que unidas, tornam a experiência esse tom hermético citado anteriormente.
Com as questões sendo colocadas em cheque, quiçá aos limites dessa narrativa, o filme se permite, através de um encontro de personagens, gerar uma válvula de escape para sua estética e para o “arco dramático” proposto. Pois negligencia a doutrinação da tela e assimila uma onda de fugacidade do realismo, que já não se via presente em pormenores. Assim, os minutos finais vão desafiar o espectador à compreensão das resoluções sociais, políticas e econômicas presentes na última cartela, que servem como um diluidor do imaginário materialista que ali se faz presente.
“Los Conductos” é um filme que não é facilmente categorizado, mas acaba encaixando em vertentes mais consolidadas do Cinema Contemporâneo, pela sua capacidade de assimilação de frentes distintas, além disso, há um grau de maturidade em como essa produção se encaixa dentro de uma perspectiva de contramão das resoluções internacionais e latino-americanas. Suas bases são voláteis de mais para o olhar imediatista, mas o tempo irá mostrar que parte dessas reformulações serão mantidas e parte abandonadas. É fruto de um tempo e de um momento, mas trata de um anacronismo que se faz, e fará, presente ao longo da História. Pinky é o delírio latino.