Longe da Árvore
Olhares no Espelho
Por Jorge Cruz
Em uma época onde o conceito de família passa por uma profunda ressignificação, “Longe da Árvore” se propõe a documentar cinco histórias da maneira mais simples e palatável possível. Uma opção de montagem que, analisando em primeiro plano, nos soa pouco inspirada, tradicionalista – como se confiasse no poder das histórias edificantes ali mostradas todo o potencial atrativo da obra.
Porém, nunca devemos nos esquecer da concepção que um filme precisa ter acerca de quem o assiste. Sob esse prisma, as escolhas das diretoras Rachel Dretzin e Jamila Ephron, bem como dos montadores Ben Gold e Steven J. Golliday soam acertadas. Uma vez que a intenção parece flutuar entre a emoção controlada (em uma espécie de comoção a partir da abordagem de identidade) e a informação acerca de realidades antes tidas como condenadas, qualquer arroubo estético ao mesmo tempo em que soaria mais artístico, tiraria o viés de realidade do longa-metragem.
O próprio diálogo inicial, quando “Longe da Árvore” nos apresenta Jason Kingsley se coaduna a esse entendimento. A abordagem desse homem de 41 anos, pessoa com Síndrome de Down (já que o termo “portador” caiu em desuso, é sempre bom lembrar) vai no sentido de entender como o choque ficção x realidade é lidado por ele. Esse questionamento convenciona na obra, que ali irá seguir próxima da verdade de maneira crua, sem concessões.
O filme se baseia no livro de Andrew Solomon, que decidiu pesquisar a vida de famílias com membros que possuem alguma característica não aceita socialmente. Após dez anos de entrevistas, ele chegou a um conjunto de histórias e essa produção traz cinco delas. A começar pelo próprio Andrew, responsável pelos interlúdios dos outros blocos. O que chama mais atenção nesses primeiros momentos é que o documentário não ignora o fato de trazer histórias de famílias que já possuíam estabilidade, inclusive financeira, para lidar com suas realidades desde então.
Portanto, nesse panorama apresentado, a primeira discussão se inicia. Solomon, quando criança e adolescente, teve o mundo vendido por seus pais como um espaço a ser explorado. Essa ideia das classes média e alta de meritocratizar o futuro, discursar sobre um sucesso nas empreitadas dos filhos que parecem apenas questão de tempo, não será retomada diretamente no filme, porém sabemos que o conceito estará lá. Basta analisar a rotina das pessoas documentadas, suas casas, as soluções buscadas e as origens de seus sentimentos, uma vez que eles não se esquivam de abordar a frustração inicial pelo filho não se enquadrar naquele padrão que a sociedade gosta de impor.
Ao mesmo tempo que ampliar o olhar para toda a família e como cada integrante reagiu com os acontecimentos desde o início, possibilita uma identificação mais latente. Em pequena escala, qualquer um passa por uma espécie de revolta juvenil, onde conclui por um não-reconhecimento daquele grupo ao qual dividimos nossa casa. Sendo assim, boa parte da carga emocional da obra está em seus momentos iniciais. Depois, há certo pragmatismo nas entrevistas, condensadas com as tão corriqueiras imagens de arquivo, característica quase obrigatória nos documentários atuais. Por isso essa reiteração de discurso se faz necessária, para atingir essa identificação aqui tratada.
Já as quatro histórias que se aliam a de Andrew Solomon são impressionantes, de fato. O já citado Jason Kingsley revolucionou a maneira de se educar crianças com Síndrome de Down nos anos 1970, quando seus pais comprovaram que ele poderia ler, escrever e trabalhar – afastando a ideia discriminatória e desprezível de antes, quando se referiam às pessoas com essas características como “mongolóides”, termo aqui mencionado uma vez que utilizado no filme. O apreço pela Disney no conflito entre realidade e ficção aproximam a vida de Jason um pouco com a do jovem Owen de “Vida, Animada”, documentário indicado ao Oscar em 2017.
O autismo é mostrado a partir de Jack Allnut e seus pais, com uma forma de socialização revolucionária, ainda embrionária, infelizmente, dada sua inacessibilidade. Já o nanismo é abordado a partir de Loini Vivao, nos momentos mais informativos de “Longe da Árvore”. Uma vez que a integração desse grupo de pessoas na sociedade é mais aceita, a autonomia e poder de articulação dessa biografada em específico é maior. A relação familiar aqui é a única mostrada em via dupla. Além disso, a partir do momento em que vemos a associação daqueles que dividem certas características, o longa-metragem nos mostra o quão importante é a identificação. Loini, por exemplo, conta como às vezes se sentia única, pela ausência de contato com outros – e seu sonho de constituir sua própria família.
Encarar desejos tão básicos da maioria como um desafio às convenções, torna “Longe da Árvore” uma obra necessária para o debate da sociedade. A única tentativa de formatar de maneira alternativa uma das representações é quando a história de Trevor Reese ganha espaço, a partir de uma pequena inversão narrativa. É a única vez que as cineastas tentam mexer um pouco mais com o juízo de valor do espectador. Portanto, tratar desse bloco em específico comprometeria a experiência de assistir ao filme.
Ampliando o microscópio, vemos como elemento em comum a todos os personagens a busca pela felicidade. Talvez a simplicidade do fato gerador, aliada à da narrativa e da montagem, deixe um vácuo de provocação em quem se dispõe a perseguir uma obra diferente. Porém, “Longe da Árvore” acerta quando não se dispõe apenas a pregar para convertidos. Relacionando de maneira simétrica várias famílias que precisaram reinventar sua identidade, ele se propõe a questionar seu preconceito a partir de uma paralela identificação. Mesmo que, por vezes, o amor e a aceitação sejam sentimentos conflitantes, o respeito ao outro e à autonomia que ele deseja conquistar, merece ser o fim comum.