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Livros Restantes

As perspectivas de uma despedida

Por Vitor Velloso

Livros Restantes

Um filme que procura encontrar na poesia alguma forma de estruturar temas, emoções e afetos, mas que se confunde entre os direcionamentos que vai tomando. O novo filme de Marcia Paraiso, “Livros Restantes”, é um conturbado trânsito de ideias e temáticas confinadas em uma história que se apresenta de forma interessante, mas que rapidamente se torna repetitiva, previsível e bastante aborrecida. Aqui, os movimentos das interações e relações da protagonista Ana, interpretada por Denise Fraga, que deveriam ser o grande motor da narrativa, aliás, estão diretamente ligados ao título da obra, vão perdendo parte de seu propósito narrativo, de ser um eixo dramático que realmente auxilie no desenvolvimento da personagem, tornando-se um elemento de apoio para o roteiro. Eles acabam sendo utilizados como um recurso prático e simples para levantar determinadas questões do passado da personagem, a fim de explicitar a dimensão dessas histórias em um ambiente onde o convívio e as intimidades parecem se entrelaçar de maneira inequívoca.

O problema é que a estrutura de “Livros Restantes” não tem certeza do que pretende ser e tem grande dificuldade de estabelecer o “como”. Um claro exemplo disso é a suposta catarse que seria gerada na cena em que os familiares estão reunidos, almoçando, a qual não funciona justamente por estarmos muito distantes de determinados personagens, por haver um trauma mal desenvolvido ao longo do projeto e cujo culpado surge de rompante, com uma interpretação comprometedora, deixando toda a cena bastante constrangedora. Aliás, existe um acúmulo de cenas capazes de fazer o espectador franzir a testa: o almoço com o homem assediador, os diálogos com o amigo que é pescador, as sequências com o ex-marido e outras mais. Essa grande quantidade de situações fora de eixo ou mal trabalhadas, ao se acumular, transforma o projeto em uma grande colcha de retalhos que não é sobre esse passado tão mencionado, que parece ser apenas um borrão entre os inúmeros temas que vão sendo trazidos à tona pelo roteiro, ainda que não haja desenvolvimento.

Contudo, Denise Fraga procura trazer novas camadas para uma personagem que é tão superficialmente esquecida pelos dispositivos apresentados que realmente causa algum tipo de estranhamento. A atriz faz um esforço para dar profundidade a essas relações e, claro, à cena do expurgo desse trauma que tanto a assombra. Porém, a fotografia, assinada por Kike Kreuger, tem dificuldade em sair de um monoteísmo que flerta com um caráter quase pragmático, em uma história que, em teoria, está sendo constantemente revirada a cada novo encontro. Assim, o filme parece sempre “lavado”, como se estivesse tentando encontrar seu objeto de interesse na sequência seguinte. Esse efeito também é provocado pela montagem, assinada por Nara Hailer, que perde o interesse por certos segmentos presentes no roteiro, permitindo que uma constante sensação de perda de rumo domine um longa que tem um direcionamento narrativo final bastante explícito, a entrega dos ditos livros restantes e a partida de Ana para Portugal, mas que ainda assim se estende por sequências burocráticas, por diálogos truncados por uma certa falta de objetividade dramática e por um excesso de exposição.

Aparentemente, a ideia de “Livros Restantes” era de ser uma homenagem à Florianópolis em especial Barra da Lagoa, mas o projeto tem dificuldade em explicitar essa personagem geograficamente fixa para o espectador e sofre ao tentar trazer alguma particularidade concreta para a narrativa, pelo contrário, parece idealizar cada segmento desses encontros, histórias e perspectivas, talvez para criar uma identidade para essa homenagem, mas funciona como uma artificialização dramática, que distancia o público de uma situação e drama real.

O resultado é um filme que, apesar das intenções poéticas e do investimento emocional evidente, parece constantemente desarticulado em sua própria lógica interna. A narrativa se apoia em símbolos e memórias que não ganham corpo suficiente para envolver o espectador, funcionando mais como sugestões vagas do que como motores dramáticos reais. Falta consistência no modo como os conflitos são apresentados e retomados, o que enfraquece o impacto emocional que o projeto aparentemente busca. Assim, “Livros Restantes” termina mais como um quadro de intenções do que como uma obra capaz de sustentar plenamente a densidade temática que se propõe a explorar.

2 Nota do Crítico 5 1

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