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Lista de Desejos para Superagüi

Ouro e peixe

Por Vitor Velloso

Durante a Mostra de Cinema de Tiradentes 2024

Lista de Desejos para Superagüi

Uma breve pesquisa em um site chamado “Viaje Paraná”, um portal de informações turísticas ligado a Secretária de Turismo do Paraná, possui uma página dedicada à Ilha de Superagüi, onde a única menção aos pescadores da região se encontra no trecho “Botos são vistos com facilidade nadando entre os barcos de pescadores atracados em frente à ilha, que tem cerca de 700 habitantes.” 

Vencedor da Mostra Aurora na 27a Mostra de Cinema de Tiradentes, “Lista de Desejos para Superagüi”, de Pedro Giongo, é uma grande imersão na realidade dos pescadores que vivem na ilha de Superagüi, suas dificuldades por conta da proibição de pesca durante uma parte do ano e como as coisas eram melhores em um passado não tão distante. Desde os primeiros minutos de projeção, o espectador é introduzido a um universo onde a sensação de comunidade, para além da exposição padrão de uma sociedade, funciona diretamente como um artifício de estruturação da obra. A montagem, assinada por Bruno Carboni e Pedro Giongo, é capaz de expor como o trabalho é crucial na compreensão desses personagens a partir de uma estrutura etnográfica do documentário. É interessante como o filme é capaz de articular o cotidiano, a pesca, o preparo da mesma, os debates comunitários e toda uma tradição cultural a partir de uma relação com o espaço e o tempo, sem perder de vista a particularidade regional.  Nessa construção, vale o destaque para Renato Ogata, que assina a bela fotografia do longa. 

Existem muitos documentários que se debruçam em uma articulação simples e formulaica para construir um discurso político sobre seu objeto de pesquisa/cinematográfico, mas no caso de “Lista de Desejos para Superagüi” existe uma preocupação em criar um retrato próprio, realmente particular, de como são os modos de vida e as dificuldades enfrentadas pelas famílias dos pescadores. Não por acaso, existem segmentos que se esforçam em criar uma estética única, onde a centralização dos personagens nessa paisagem política consegue fixar para o espectador, que essa localidade faz parte da vida, da cultura e da história dessas família e não fragmentando essa representação em tipificações que iriam mais refletir o objeto de interesse do cineasta que necessariamente um registro histórico, político e etnográfico. Assim, conforme vemos as lutas pelos direitos básicos, como a aposentadoria e pesca, que sustenta aquelas famílias, o longa expõe quais são as reivindicações do povo, explicitando quase que uma metodologia do filme em si, que a partir de sua linguagem, não cria recortes abruptos que sejam incapazes de dar conta do objeto. Um exemplo disso é que apesar de Martelo, 70 anos, ser uma espécie de protagonista, ele funciona quase como um anfitrião, sem tomar de assalto a atenção no desenvolvimento que o projeto propõe. 

Esteticamente, “Lista de Desejos para Superagüi” é deslumbrante e possui alguns dos planos mais belos da 27a Mostra de Cinema de Tiradentes, mas não se utiliza desse poder como distração, se mantendo totalmente comprometido com a causa de seus personagens e não apenas na construção imagética do filme. Contudo, sobre decisões formais, algumas pessoas após a sessão, criticaram uma aproximação entre ficção e documentário, alegando que esse elo traz algum tipo de fragilidade para a produção. Sem dúvida, existem momentos menos sólidos ao longo dos 72 minutos de projeção, mas nada que seja realmente comprometedor para a experiência. A cena que alguns personagens discutem sobre a nota de 200 reais, por exemplo, tem ali um recurso que realmente não acrescenta no desenvolvimento da obra, mas alegar que essas estratégias são capazes de fragilizar todo o documentário, é um rotundo exagero. 

“Lista de Desejos para Superagüi” parece consciente de todas suas decisões, inclusive as que podem gerar algum desagrado nos espectadores, demonstrando uma sinceridade no retrato do povo caiçara e um cotidiano repleto de uma base histórica, com toda a complexidade e costumes culturais da região, sem colocar um projeto estético a frente de sua representação. É como se o trabalho e o cotidiano fossem os responsáveis pela estruturação da linguagem, não o contrário. 

4 Nota do Crítico 5 1

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