Mostra Um Curta Por Dia 2025

Kickflip

Tédio e projeções

Por Vitor Velloso

Assistido presencialmente na Mostra de Tiradentes 2025

Kickflip

A Mostra Aurora de Tiradentes tem a característica de apresentar obras pouco com características disruptivas, muitas vezes experimentais, mas também já apresentou títulos que levam o espectador a questionar a articulação da curadoria. “Kickflip”, de Lucca Filippin, está em um limiar entre essas duas representações. O filme apresenta dois adolescentes que gravam vídeos para a internet, desde a filmagem deles praticando skate até um desafio de falar um termo específico com a boca cheia de marshmallow. Nesse sentido, ele é uma representação direta e objetiva de um universo adolescente, que assume a cultura norte-americana como ponto referencial para seus estilos de vida, seja através das gírias em inglês, ou uma cena inteira, até os padrões clássicos de forma de vestimenta, alimentação etc. 

É curioso como a estrutura do projeto parece seguir uma colagem que não se propõe nem à uma lógica de progressão narrativa, nem à uma digressão formal que permita o espectador compreender seu ponto de ruptura. “Kickflip” parece ser guiado pela aleatoriedade, pelo tédio e por essa proto-revolta adolescente, que surge na tela com uma fidelidade angustiante, pois o crescente tédio presente nos personagens, não apenas é transmitido pela montagem, mas atinge o público com igual força. Não por acaso era possível observar pessoas dormindo, abandonando a sessão e se remexendo na cadeira do Cine-Tenda. Contudo, a maior questão do projeto não é exatamente sua lentidão ou seus tempos propositalmente tediosos, mas existe uma dificuldade de encontrar um propósito para experienciar na íntegra um filme que se limita à essa representação de adolescentes em seu cotidiano, reproduzindo uma série de padrões amplamente amparados pelos produtos e serviços da indústria cultural e tentando manobras de skate. 

Contudo, o esforço para emular cada detalhe dessa estética e estilo de vida se torna um dos poucos pontos onde o longa não desliza em uma monotonia pouco criativa e sonolenta. Pois acompanhar um dos personagens observando sua saliva dissolver um marshmallow por alguns minutos ou discussões acerca do vídeo que eles gravaram não consegue consolidar o filme como algo que a maioria dos espectadores queira depositar seu foco. Além disso, esse tipo de projeto com adolescentes entediados e revoltados por algo que são incapazes de reconhecer, é bastante comum. Mas o registro sujo e o som ensurdecedor que toma conta da sala de cinema de forma arbitrária, propõe a reflexão de uma proposição errática de provocação, tão jovem quanto poderia. 

Com isso, “Kicflip” se mantém monótono, monotemático e entediante do início ao fim, com uma seleção para a Mostra Aurora que demonstra parte do que os textos da curadoria procuraram esclarecer, uma forma de cinema que se permite errar, que se desafia e que supostamente questiona “que cinema é esse?”. A fotografia de Nandê Caetano é hábil em emular esses vídeos caseiros que tanto assistimos em projetos norte-americanos, mas não consegue crescer mais por conta de uma montagem que apenas recolhe seus retalhos e não faz nenhum esforço para dinamizar suas imagens, criar um ritmo mais vívido ou dialetizar os diferentes segmentos presentes  no filme. Aliás, um dos segmentos é tão descartável e desprovido de uma articulação junto à representação deste universo particular e jovem, que sobra para o espectador procurar algum sentido ou explicação particular para essas cenas, que até são capazes de confundir por possíveis “símbolos” ou interpretações, como a mulher abraçando o skate ou com seu fascínio em armas. 

“Kickflip” é um filme que não pretende ser nada além do registro iracundo do tédio tomando conta de seus personagens e estrutura, com fragmentos aleatórios que compõem essa grande colcha de registros sem uma diretriz ou fim específico. Está claro que um filme não precisa ter uma finalidade particular ou enunciada, mas é difícil para o espectador conciliar o sono provocado a todo momento com a falta de interesse por um projeto que não propõe muitas saídas para pensar em seu objeto ou personagens. Por fim, há um perigoso retrato sobre as diferentes formas de manifestação de uma violência, através de uma tentativa de construção de um crescendo de frustrações e desagrados, culminando em um traço que flerta com a explicação da possibilidade trágica, o que expõe não só a falta de originalidade como uma tênue relação com as projeções e representações que o exterior estabeleceu em seus produtos culturais. 

1 Nota do Crítico 5 1

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