Mostra Sessoes Especiais do Vertentes

Ilha dos Ilús

Rejeição e igualdade

Por Vitor Velloso

Durante o Festival CineOP 2023

Ilha dos Ilús

Exibido durante a 18a Edição da CineOP, “Ilha dos Ilús”, de Paulo G. C. Miranda, é uma interessante adição da animação brasileira que pode conseguir um circuito de exibição comercial e cativar algumas famílias pelo país. 

Um dos destaques na forma de construção do projeto, está na maneira como existe um cuidado de apresentar a ilha em si como uma personagem central, isso faz com que as relações entre os personagens não torne-se isolada, ou que dependa diretamente de grandes acrobacias estéticas para conseguir fixar a atenção no projeto. A ilha é constantemente citada não apenas como um espaço, mas como uma espécie de vida própria, regida por algumas regras, onde alguns elementos externos visam perturbar a ordem. 

Não vale se debruçar sobre todas as interpretações possíveis em torno das questões apresentadas na narrativa, com exceção de uma que comentarei mais adiante no texto. Contudo, vale destacar alguns cuidados que a produção possui na tentativa de utilizar-se de algumas representações culturais brasileiras para traçar identidades diversas nessa grande aventura protagonizada por Pocó. Alguns exemplos disso podem ser vistos nos diferentes “sotaques” encontrados ao longo da projeção, onde cada personagem não necessariamente está representando um Estado, mas que permite uma variação maior, sem uma padronização das formas de falar e se expressar. Aliás, existe uma exposição explícita contra a homogeneização que a vilã pretende promover, com uma espécie de vislumbre de seu plano tendo referência estética clara em propagandas fascistas. Esses pequenos cuidados na construção, faz com que “Ilha dos Ilús” consiga ganhar algumas camadas interessantes de discussão, ainda que não seja capaz de traduzir por completo suas intenções em termos pragmáticos, deixando uma série de pistas sem desenvolvimento. 

De toda forma, apesar de possuir uma série de discussões sérias, não apenas por esses tópicos mencionados, mas por procurar ser didático de que todos, de alguma forma, somos iguais e “somos ilús”, a animação procura um apelo estético que consiga cativar as crianças. Assim, além de silhuetas amigáveis e cores chamativas, a linguagem encontra uma forma de se comunicar com crianças e adultos na mesma medida, sendo simples, ágil e com marcações bem definidas para cada personagem, criando uma espécie de identidade única para cada um. Contudo, há um desbalanceamento grave na forma como cada um é desenvolvido, criando a sensação de que alguns possuem apenas uma característica estética ou um alívio cômico para determinadas situações. Isso, ao que parece, faz parte de uma tentativa de tipificar pequenos eixos para facilitar o desenvolvimento da narrativa, porém possui um efeito bastante contraditório, pois em algumas cenas é possível que haja um distanciamento do filme, já que as ligas dramáticas estão concentradas em uma particularidade realmente definida. 

E mesmo com esses deslizes, que acabam pesando na experiência final, “Ilha dos Ilús” consegue ser cativante e ensinar a importância dos sentimentos, suas características e ambiguidades, a partir dos conflitos que os personagens se deparam e precisam resolver. O grande sentimento que aparece em destaque na obra é a “rejeição”, desenvolvida com cautela e um didatismo que precisa ser mencionado, pois não realiza esse movimento subestimando seu público, pelo contrário, insere a discussão de maneira consciente, até mesmo em cenas ou diálogos mais graves. 

Não se trata exatamente de um filme político, ainda que toque em temas sensíveis à discussão. Apesar disso, não se abstém de introduzir elementos que o espectador possa reconhecer de imediato, seja na questão propagandística mencionada acima, ou na proposição de “nunca mais”, presente em um quadro, que não vou adentrar para não estragar a construção desse “mito”. O que mais gera desconforto em “Ilha dos Ilús” é que sua bagagem sempre parece incompleta, como que freada no processo. Não por acaso a reta final soa apressada, sem uma conclusão que pareça digna da grande jornada de Pocó e das contradições enfrentadas no processo, tanto quanto a rejeição mas também mostrando uma amizade que é interrompida com o “crescimento”. 

A animação brasileira ganha mais um filme que respeita seu público-alvo e demonstra ser consciente da responsabilidade de debater algumas de suas temáticas. Espero que consiga uma distribuição digna nas salas. 

3 Nota do Crítico 5 1

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