Garota da Moto
A adaptação e a mistureba
Por Vitor Velloso
Baseado na série/novela homônima, exibida no SBT, “Garota da Moto” é um daqueles produtos que sintetiza uma série de reverências das produções brasileiras à Hollywood. Longe de ser um longa que procura uma identidade particular nas acrobacias marciais da protagonista, tudo se refere à padronização norte-americana. Uma introdução dinâmica, um flashback para contextualizar o espectador e o retorno à pancadaria, tudo isso guiado pela narração que quer mostrar a determinação de uma personagem que é uma dessas justiceiras de moral inabalável, pois não usa armas. Luis Pinheiro assina a direção de um enlatado amargo, que não consegue se desvencilhar dos clichês, é incapaz de construir algum carisma, se embanana no drama, abusa dos closes na ação e usa câmera lenta com trilhas sonoras que fazem o negócio ficar verdadeiramente vexaminoso.
O ápice disso é a cena na passarela, com tomates rolando a escada. Mas se nada soa tupiniquim, a trilha sonora faz questão se distanciar ainda mais do sul global, enquanto a corrupção toma conta da narrativa, como um câncer sistêmico inexplicável da “cultura brasileira”, é “O Doutrinador”, com “Tropa de Elite”, “Homem Aranha” (com as poses heróicas) e a moral do “Batman”. As cenas de ação que deveriam ser o entretenimento máximo de uma obra focada em uma civil socando a cara de criminosos, se torna o maior martírio entre as pausas de diálogos mal escritos e expositivos, tudo isso vai se somando em um tédio crescente que encontra no clímax uma câmera lenta de quase cinco minutos revelando as investidas tacanhas em uma dramatização novelesca de quinta. “Garota da Moto” é um dos casos em que nada funciona. As conversas durante as lutas sempre tentam mostrar como Joana (Maria Casadevall) é super habilidosa e a surpresa dos marmanjos em ver que ela acabou com alguns caras antes do confronto. Porém, a encenação é tão desastrada que esses diálogos expõem o caráter estapafúrdio da produção, quando um capanga pergunta a ela: “Foi você quem fez tudo isso?”, o espectador sente vontade de responder à indagação.
Enquanto tudo parece uma grande paródia de si, a produção vai assumindo uma série de características moralistas para tentar conciliar o aspecto conservador da construção heróica da justiceira e o reacionarismo ali inerente. Esse equilíbrio cai por terra e o negócio vira um show de horrores, onde a polícia é incapaz de realizar seu trabalho, a máfia é estúpida, o assassino de aluguel é um completo inútil e tudo se dissolve na necessidade de Joana de salvar seu filho. Toda a discussão perde o sentido e dá lugar a dramas mal resolvidos, com coreografias terríveis e câmeras lentas vergonhosas. E não se trata da falta de orçamento neste caso, como muitos poderiam argumentar, é todo um roteiro fajuto, com uma direção de arte preguiçosa, uma montagem confusa e uma direção que visa apenas a reprodução dos clichês Hollywoodianos, aí claro, o orçamento vai ser um problema. Em seguida, teremos produtores alegando que é isso que o público brasileiro quer ver, é o argumento da decadência dependente.
Está claro que “Garota da Moto” só quer um lucro garantido com sua trama repleta de socos, pontapés e perseguições, mas sua fragilidade é tamanha que fica difícil se divertir no meio de tanta bagunça e a experiência se torna insustentável com o passar do tempo. Caso o espectador decida ficar até o fim da projeção, irá ver uma estrutura que copia até os cenários dos filmes de ação B da grande indústria do norte, com indústrias e trabalho escravo envolvidos em meio à corrupção sistêmica. Pouca criatividade, excessos de clichês e estilizações durante a coreografia que une bicudas sem gravidade e poses super heróicas, faz o filme ser uma das bombas do ano no circuito brasileiro, com relativo sucesso garantido para alguns setores da sociedade que vão poder comparecer nos cinemas na intenção de ver o povo contra o sistema, seja lá qual for.