Festival Ecrã 2018: Cobertura Crítica: Primeira Parte


A Segunda Edição do Festival Ecrã

Por Vitor Velloso


O Festival Ecrã chega a sua segunda edição, buscando suprir a necessidade de se exibir, no cinema, a frente da busca pela forma cinematográfica. Ainda que existe discurso, o festival prioriza a forma como ponto de partida para a curadoria, logo, muitos dizem se tratar de um festival de filmes experimentais.

Definir o que significa essa categorização, é no mínimo… prepotente. Pois, o dito “cinema experimental” não possui uma objetividade formal para que classifiquemos tal filme, parte desta proposta ou vice-versa. Este comentário, inclusive, foi levantado no debate que aconteceu entre sessões, feito pelo Filipe Furtado e Camila Vieira, mediado por um dos curadores do festival, Pedro Tavares.

Exatamente pela impossibilidade de identificarmos onde o termo pode ser encaixado e seus limites, o que se discutiu foi o lugar desta proposta dentro do cinema contemporâneo. De certa forma o debate foi descontraído e bastante solto, mas pouco frutífero, a conversa no corredor da Cinema do MAM foi mais intensa, por possuir menos formalidade.

O festival, criado por Daniel Diaz, que divide nesta edição a curadoria com o Pedro Tavares, vêm este ano com nomes de peso para a programação. Rosemberg, Scott Barley, James Benning, Jem Cohen, entre outros. Destes nomes, até o momento, assisti alguns, ainda publicarei outro texto, posteriormente, comentando o fim do festival e os outros filmes que não estarão presentes neste.

Como é de praxe, gostaria de dividir uma pequena opinião sobre o festival. Adorei a proposta que foi implementada, porém, o folheto da programação poderia conter a duração dos longas, além do nome dos diretores. Apenas isso, de resto, estão todos de parabéns, o festival é curto, mas importantíssimo. Irei comentar algumas impressões sobre determinados filmes, outros, irei apenas mencionar, a fim que próximo texto, possa me debruçar melhor sobre os mesmos.

Meu primeiro filme do festival foi “Rochas em forma de Vento”, dirigido pelo mexicano Eduardo Makoszay. Onde o diretor busca criar uma espécie de ficção científica, através de sua montagem. Esse trabalho força o autor a um engessamento estrutural que prejudica, e muito, o fluxo das imagens. Os melhores momentos ocorrem quando ele se liberta dessas amarras, nestas passagens o processo imagético toma uma forma de hiper artificialidade que contribui com a atmosfera que ele busca criar em sua breve narrativa. O longa funciona, mas de forma parcial, pois sempre que exige de si, uma construção menos contemplativa ou digressiva, para dar voz a um classicismo barato, inclina sua película ao nada.

“1048 Luas” foi um expurgo Straubiano da cineasta Charlotte Serrand, onde ela projeta uma narrativa protagonizada por mulheres que estão esperando o retorno do marido, não quero dizer quem são seus maridos, nem que personagens são elas, apenas direi que são pessoas relevantes. É impressionante a calma que Charlotte conduz os conceitos que vão surgindo no roteiro, vemos uma cadência bastante calculada na montagem, que é imposta pelos enquadramentos, a tomarem seu tempo, seu devido, tempo. Um filme bastante peculiar, que merece destaque entre os demais.

“HIC”, dirigido por Alexandre dos Santos Buck, tenta criar um universo onde um negro que havia vencido a maratona de Vitória-ES, tem uma crise de soluços em cima do pódio e passa a se teleportar para diversos lugares da região. A intenção era de usar a trama como uma premissa para revisitar o lugar do negro no Brasil, não à toa, vemos o protagonista chegar a uma entrevista de emprego, onde uma mulher negra sofre racismo de uma concorrente, durante uma dura policial, em uma sala de jantar da “família de bem” etc. A ideia no papel não parece problemática, além, claro, da problemática ao CGI que é utilizado no curta. A dificuldade está em encontrar a própria estrutura. O filme “salta” de lugar, sem nunca confrontar absolutamente nada, nem o próprio conceito. O didatismo utilizado aqui busca frear qualquer proposta de denúncia que pudesse gerar engajamento coletivo. Comete muitos equívocos quanto a própria ideia. Amadurecer mais os conceitos era necessário,

“El Mar La Mar”, dirigido por Joshua Bonnetta e J.P Sniadecki, possui uma proposta mais diferente. em um flerte com política e espiritualidade, independente de qual sua origem. Os diretores conduzem o espectador à uma atmosfera de medos e desejos através dos voice-overs que alternam seu tom, sempre em contraposição com a imagem na tela, ou sua ausência. Existe uma construção de sentimento que beira o western por diversos elementos, mas também dança com o horror. A verdade é que falar sobre “El Mar La Mar” é um exercício de auto sabotagem, pois, apenas sentar e assistir ininterruptamente ao filme é válido. Trata-se de uma experiência bastante específica, gostando ou não.

“A Room” é um curta minimalista dirigido por Chong Ming, que não possui exatamente uma proposta de experimentação de linguagem, mas sim de uma representação formalista já bastante consagrada no mercado, tudo estático em primeiro plano, atuações robóticas e reações mínimas. A questão de Chong é discutir o processo de desumanização que ocorre através do enraizamento do capitalismo nas sociedades e nas microrrelações. O enfoque é automatizar a narrativa, buscando concretizar o mesmo processo nos espectadores. O que fragiliza essa ideia, é usar como base estética a mesma proposta que é utilizada por diversas obras a muito tempo. Então, ao vermos “A Room”, temos a sensação de que já vimos tudo aquilo mais de uma vez. E mesmo que a ficção científica, criada pelo diretor tente ganhar contornos mais definidos pelo mistério que desenvolve nos primeiros minutos, o progresso dessa trama não compensa o público, nem aprofunda seus questionamentos. Infelizmente, é apenas mais um do subgênero.

“Landscape” de Luiz Rosemberg Filho, é um discurso anti-formalista, uma colagem de filmagens que produzem caos, vulgariza a imagem, desafia a política, confronta a miséria intelectual e vai contra a mediocridade. É um berro contra a demência generalizada que vemos no Estado. A gangrena epidêmica da cultura, arquitetada pelos burocratas. Em tempos como este, onde vemos o retrocesso bradado pelo positivismo da bandeira nacional, pelo discurso de ódio de instituições bilionárias comandadas por políticos, que rasgam a democracia em benefício próprio e de seus familiares, a maior resistência é filmar. Joaquim havia entendido isso. Rosemberg nos mostra que a imagem cinematográfica é antiética, trata-se de um vômito anti-interpretativo. O louvor do neologismo cinematográfico protagonizado pelo marginalismo industrial da verve do autor, enfrenta o anacronismo da arte. O Brasil tornou-se um cancro que o artista carrega consigo, enfrentando sempre, na liberdade do ofício a militância não é mais uma forma de agir, mas sim de sobreviver. Uma arrogância dos meios midiáticos que envenenam as mentes do povo, fazendo um indivíduo odiar o próprio país. Quando se diz que não há mais pelo que lutar e que os ídolos morreram, o poeta vocifera e desdenha da cultura da falta de cultura. O discurso do homem nu, com um cartaz branco, vive! A imagem não possui conteúdo erótico, ela é a erotização do imaginário popular.

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