Festival de Berlim 2018: Balanço, Notas, Pílulas e Prêmio Vertentes do Cinema

Balanço, Notas, Pílulas e Prêmio Vertentes do Cinema

Por Fabricio Duque

Durante o Festival de Berlim 2018


Escolhas. Sempre uma questão de escolha quando se realiza uma cobertura de um festival. Qualquer um que for. Um pouco mais se se tratar de um internacional. Em uma das conversas com Ilda Santiago (diretora do Festival do Rio), aqui em Berlim, brinquei dizendo que a melhor forma de fazer decentemente uma bom trabalho jornalístico-crítico é apelando à ciência da clonagem. Sim, teria que haver pelo menos quatro de cada um, visto que todo e qualquer “maratonista” sente os efeitos físicos: fuso horário, cansaço, frio, fome, correria, poucas horas dormidas, estresse, ansiedade, ainda lidar com as escolhas e com uma “praga” que assola os festivais: as constantes luzes dos celulares, as constantes conversas e as constantes e potencializadas movimentações (esta como uma forma de protesto auto-expositivo caso não se goste de um filme). Outro ponto é termos que conviver com idiossincrasias excêntricas altamente egoístas, intolerantes, altivas e individualizadas (como não tirar a bolsa do chão, gerando assim tombos dos passantes).

Uma das opções que fiz foi priorizar os filmes, material bruto alimentício propriamente dito. Até o presente momento, do agora, foram assistidos quarenta e cinco filmes em nove dias, incluindo uma sessão de curtas-metragens (com uma média de cinco por dia, às vezes seis, e no caso do novo filme de Lav Diaz com quatro horas, apenas quatro), inúmeras coletivas de imprensa e entrevistas. O vertenteiro-espectador-cinéfilo deve se perguntar? Sobra tempo para escrever? Não. Mas a necessidade “faz o ladrão”, já dizia o ditado popular. Há alguns jornalistas que em qualquer fração intervalo consegue o desligamento interino do redor a fim de embarcar nas elucubrações analíticas do processo de escrito. Não, não é o meu caso. Preciso de tempo, de degustar (verbo este que amigos próximos usam como implicante zoação-picardia).

Este ano, Berlim está praticamente verão, com sua temperatura oscilando entre dois e seis graus positivos, muito diferente do ano passado com seus menos dez. Contudo, no dia de hoje chega uma frente fria que fará com que o clima chega aos seis negativos. Isso ajuda, mas não mitiga o cansaço. E a cada dia nos tornamos zumbis “walking dead” e nos é gerado uma crise existencial. E como Rodrigo Fonseca sempre diz “muita coisa boa pode sair em tempos de crise”. Sim, questionamentos e mais questionamentos são desenhados, como o propósito de tudo isso. De novo, as escolhas. Escolher filmes, coletivas, festas, mostras paralelas, cinemas mais distantes. E ou assistir aos filmes e não escrever em tempo real, logo após a sessão.

Vivo em uma sinuca de bico, e sempre escolho assistir aos filmes. Mas quando chego em casa, estou literalmente sem forças. Mortinho da Silva. Por que não escrever depois? Qual a necessidade da pressa de se lançar uma crítica imediatista? Será esta, aprofundada? Será este válida para a perpetuidade de um site? Não sei. Só sei que escolho os filmes. É minha prioridade.


Prêmio Vertentes do Cinema


Melhor Filme de Todo o Festival: “Lemonade”, de Ioana Uricaru. Ficção. Romênia. E “Agá”, de Milko Lazarov. Ficção. Bulgária.

Melhor Filme Competição: “In den Gängen – In The Aisles”, de Thomas Stuber. Ficção. Alemanha.

Melhor Ator: Franz Rogowski, por “In den Gängen – In The Aisles”.

Melhor Atriz: Marie Bäumer, por “3 Days in Quiberon”.

Melhor Atriz Coadjuvante: Birgit Minichmayr, por “3 Days in Quiberon”.

Melhor Filme da Mostra Panorama: “Aeroporto Central – Zentralflughafen THF”, de Karim Aïnouz. Documentário. Alemanha.

Prêmio Especial: “Danmark”, de Kasper Rune Larsen. Mostra Generation. Ficção. Dinamarca.


Os Filmes no Festival de Berlim: Com suas Notas e Pílulas-Críticas


Competição

***** Competição. “In den Gängen – In The Aisles”, do diretor alemão Thomas Stuber, é uma obra que narra com simplicidade a complexidade da sociedade, por uma interpretação espetacular e contida de Franz Rogowski (que merece o prêmio de Melhor Ator), que lembra em muito a de Casey Affleck em “Manchester à Beira-Mar”, de Kenneth Lonergan.

**** Competição. “Twarz – Mug”, da diretora polonesa Małgorzata Szumowsk, é um filme que nos confronta no melhor estilo “O Homem Elefante”. É a saga de um homem que descobre a crueldade e hostilidade de uma sociedade, incluindo de sua própria família quando sofre um acidente e tem o rosto deformado.

**** Competição. “Mein Bruder heisst Robert und ist ein idiot – Meu Irmão se chama Robert e é um idiota”, do alemão Phillip Gröning, imerge o espectador no tédio alienante e na máxima de “cabeça vazia oficina do diabo”.

**** Competição. “Ilha dos Cachorros”, do diretor Wes Anderson, que foi o filme de abertura desta edição, é uma metáfora sócio-político-comportamental com tom de fábula animada, em stop motion. Critica a xenofobia e intolerância pela característica já norteada em suas obras anteriores: a estranheza narrativa das ações surreais-hesitadas com uma natural comicidade melancólica. Leia a crítica completa aqui!

**** Competição. “Las Herederas”, do paraguaio Marcelo Martinessi, que se desenvolve pela naturalidade das ações simples, é um filme de ator, neste caso, atriz, Ana Brun, que se entrega completamente no papel, desenhando uma trama do recomeçar, de abandonar o conformismo do momento e “acordar” quereres e ações.

**** Competição. “Dovlatov”, do russo Alexey German Jr., com câmera próxima que acompanha, também é um filme de ator, Milan Marić, que encarna um período biográfico do escritor Sergei Dovlatov (1941 – 1990), que escreveu irônicos textos, proibidos de serem publicados. Seguindo a linha romena à moda de “Sieranevada”, de Cristi Puiu, o longa-metragem imerge seu público a participar desta tragicômica intimidade destes artistas.

**** Competição. “3 Days in Quiberon”, da alemã Emily Atef. Um spa de dieta alimentar e desintoxicação do corpo, na costa francesa, é o cenário deste filme que conta um período de três dias na vida da atriz Romy Schneider, que ficou eternizada em “Sissi, a Imperatriz”. É um filme de interpretações irretocáveis, e inquestionavelmente os prêmios de Melhor Atriz deveria ser entregue a Marie Bäumer, e de Melhor Atriz Coadjuvante para Birgit Minichmayr.

**** Competição. “Ann Panahon ng Halimaw – Season of the Devil”, de Lav Diaz, o diretor dos filmes de longa duração. Este, com apenas quatro horas, pode ser considerado um curta. E mais uma vez imprime autoralidade ao realizar uma ópera-rock à capela com poéticas metáforas sobre os efeitos políticos nos comportamentos de seus moradores locais.

*** Competição. “Museo”, do mexicano Alonso Ruizpalacios.

*** Competição. “Figlia Mia”, da diretora italiana Laura Bispurí, com a atriz Valeria Golino (um dos melhores interpretações de sua carreira – que merece o prêmio de Melhor Atriz), usa a estrutura neo-realismo para construir encontros, fragilidades e decepções de uma filha com sua mãe.

*** Competição. “La Prière”, do diretor francês Kahn, é sobre a jornada de um rebelde adolescente em um altruísta solidário cristão.

*** Competição. “Don’t Worry, He Won’t Get Far on Foot”, do diretor Gus van Sant, que depois de seu fiasco com “The Sea of Trees”, retoma a boa forma nos conduzindo na organicidade à moda Bukowski de um irônico-ácido-realista cartunista, interpretado irretocável e enlouquecidamente por Joaquin Phoenix.

*** Competição. “Touch Me Not”, da romena diretora Adina Pintilie, é um filme incômodo, que expõe em close as deficiências dos seres humanos enquanto integrantes da sociedade, os libertando de suas neuroses e limitações sobre o corpo e fantasias sexuais.

*** Competição. “Khook”, do iraniano Mani Haghighi, pauta-se pela narrativa acaso de confusão surreal para contar a história com humor negro de um cineasta que não entra na lista de um assassino, visto que não seus filmes não são bons, tampouco famosos. É divertido, estranho, orgânico e enlouquecido, à moda de Quentin Tarantino.

** Competição. “Damsel”, dos irmãos americanos David e Nathan Zellner, com Robert Pattinson e Mia Wasikowska, integra a mostra competitiva ao Urso de Ouro 2018, depois de ter sido exibido no Festival de Sundance, em janeiro do mesmo ano. Seu gênero pode ser definido como uma comédia de humor negro, por causa de seu sarcasmo sem o riso fácil e por suas mortes realistas e estabanadas, que lembram em muito a estética cinematográfica dos Irmãos Coen. É um faroeste de aventura de um homem apaixonado, passional e sistematicamente organizado, que segue sua jornada para casar com a mulher de sua vida.

** Competição. “Transit”, do alemão Cristian Petzold, com o ator queridinho do momento Franz Rogowski, que parece em muito o ator Joaquin Phoenix, aborda a metáfora da guerra nas idas e vindas de um relacionamento, com suas reviravoltas psicológicas.

** Competição. “Utøya 22. juli”, do norueguês Erik Pope, opta pela narrativa subjetiva, em que a câmera é personagem, que luta instintivamente para sobreviver da morte iminente e nos insere na sinestesia do momento, podendo sentir o extremo intimismo (à moda de “O Filho de Saul”). Esta decisão é uma faca de dois gumes, visto que tudo tende à encenação mais exagerada. E assim é. Aqui, nós espectadores somos conduzidos à liberdade poética do roteiro, com suas fragilidades estruturais, caindo assim em esperados gatilhos comuns de sua construção conceito-autoral.

* Competição. “Eva”, do diretor francês Benoit Jacquot, tenta conduzir o espectador em um thriller noir, que infere “Elle”, de Paul Verhoeven, com a estrutura de suspense psicológico de François Ozon. Ainda que com a presença da atriz Isabelle Huppert, o filme sofre uma auto-sabotagem, fazendo com que o espectador desista de acompanhar a história desenhada em um frágil e ingênuo roteiro

* Competição. “Toppen av ingenting – The Real State”, dos suecos Axel Petersén e Måns Månsson, é um filme esquizofrênico de estranha narrativa, edição, câmera e fotografia. Talvez seja conceitual demais.

Fora de Competição

***** Fora de Competição. “Ága”, do diretor búlgaro Milko Lazarov, é um filme único, que nos mergulha completamente no tempo real na vida de um casal esquimós. Pensamos com nossos botões: o porquê deste não estar na competição oficial.

*** Fora de Competição. “Unsane”, de Steven Soderberg, traz Caire Foy, a rainha do seriado “The Crown”, neste paranoico thriller psicológico de prisão mental.

** Fora de Competição. “Eldorado”, do suíço Markus Imhoof, é sobre refugiados recebidos na Itália, que passam por procedimentos de quarentena até serem aceitos ou não no país. Não há como não referenciar “Aeroporto Central – Zentralflughafen THF”, do diretor Karim Aïnouz, e a “Fuocoammare”, de Gianfranco Rosi.

** Fora de Competição. “7 Days in Entebbe”, do diretor José Padilha, que venceu o Globo de Ouro com “Tropa de Elite”, embarca mais e mais na estrutura hollywoodiana para construir sua trama pululada de gatilhos comuns, clichês, óbvias e encenadas reviravoltas e diálogos superficiais novelescos.

* Fora de Competição. “Black 47” , do irlandês Lance Daly,  construi-se propositalmente como um teatro com forma de cinema (com seu plano e contra-plano de edição rápida, mitigada de silêncios, é utilizado todos os gatilhos comuns, todos os clichês existentes e todos os artifícios palatáveis das ações-reações encenadas. Leia a crítica completa!


Panorama

***** Panorama. “Lemonade”, da romena diretora Ioana Uricaru, é o melhor filme assistido na edição 68 do Festival de Berlim.

***** Panorama. “Aeroporto Central – Zentralflughafen THF”, do diretor Karim Aïnouz, é uma homenagem, um documento de um imigrante sobre este cartão postal que continua símbolo das ideias socialistas por aceitar e integrar refugiados, estes que permanecem um tempo de adaptação e observação.

***** Panorama. “Bixa Travesty”, de Claudia Prscilla e Kiko Goifman, é um filme de, sobre e para Linn da Quebrada.

***** Panorama. “O Processo”, da brasileira Maria Augusta Ramos. A documentarista acerta mais uma vez com a presença de sua câmera mosca em uma edição (uma aula de cinema) irretocável de Karen Akerman para abordar o processo de impeachment da presidenta Dilma Rousseff.

**** Panorama. “Obscuro Barroco”, da diretora grega Evangelia Kranioti, é uma homenagem a travesti Luana Muniz, com pinceladas de Clarice Lispector. Busca a experimentação visual para imergir o espectador no universo único das travestis, que compõem a ambiência atmosférica da “cidade mutante” Rio de Janeiro.

**** Panorama. “Tinta Bruta”, dos brasileiros Marcio Reolon e Filipe Matzembacher, é muito mais que um filme gay. É sobre a sobrevivência nos perdidos e disfuncionais dias de hoje.

**** Panorama. “Ex-Pajé”, do documentarista Luiz Bolognesi, faz com o público ganhe uma imersão crítica nas transformações sócio-politicas-comportamentais dos indígenas da aldeia Paiter Suruí.

**** Panorama. “Generation Wealth”, da americana Lauren Greenfield, é um documentário crítico sobre o poder enaltecido do dinheiro na sociedade que busca o novo e o luxo sem parar, especialmente dos Estados Unidos. Essa obsessão causa depressão, tristeza e um desenfreado descontrole.

** Panorama. “River’s Edge”, do japonês Isao Yukisada, filme que abriu a mostra Panorama, busca imprimir autoralidade com a narrativa não linear (de montar as peças do quebra-cabeças da história) e da já conhecida naturalidade violenta, mas sobre do “mais” quando quer abordar todas as questões comportamentais sociais em um curto período de tempo.

** Panorama. “Yardie”, do ator, agora diretor, Idris Elba, é um filme ingênuo e pessoal por abraçar características caricatas, clichês, de efeito, da estrutura cinematográfica hollywoodiana, uma fórmula padronizada palatável que não respeita em nada a inteligência do espectador. Contudo, a interpretação do ator Aml Ameen (de “Sense8″) leva o filme nas costas.

**** Forum. “Fotbal Infinit”, do romeno Corneliu Porumboiu, corrobora a obsessão do diretor por futebol, documentando a história de um ex-jogador que quer mudar as regras oficiais da FIFA.

*** Forum. “Grass”, do diretor sul-coreano Hong Sangsoo, corrobora suas características cinematográficas nesta nova obra com fotografia preto-e-branco. Mas seu conhecido humor esperançoso dá lugar a uma desistência. É mais sério e realista mesmo quando alivia com a comicidade da bebida.

** Forum. “Los Débiles – The Weak Ones”, dos diretores espanhóis Raúl Rico e Eduardo Giralt Brun. O filme potencializa o mundo cruel e sem lei. Que a violência ganha forma como defesa, honra e vingança.

*** Berlinale Special. “Songwriter”, do inglês Murray Cummings, sobre o processo de criação do músico Ed Sheeran. A narrativa opta por uma estética intimista que serve mais aos fãs, como um extra de DVD.

** Berlinale Special. “Das Schweigende Klassenzimmer – The Silent Revolution”, do diretor alemão Lars Kraume, aborda o ingênuo-utópico-inverso protesto de alunos de uma escola contra a imposição socialista ditatorial. A narrativa pauta-se pela estrutura hollywoodiana de ser, priorizando a forma que propriamente o discurso.

** Berlinale Special. “The Bookshop”, da diretora espanhola Isabel Coixet, até busca fornecer um tom cult intelectualizado-literário, mas a escolha pela estrutura de novela hollywoodiana afasta seu público pela palatável condução narrativa.

** Berlinale Special. “The Happy Prince”, dirigido e estrelado pelo britânico Rupert Everett, é um filme de amigos conhecidos, que emprestam cumplicidades em lembranças-momentos-instante ao encenar teatralmente um período da vida do escritor Oscar Wilde.

***** Generation. “Unicórnio”, de Eduardo Nunes. Leia a crítica completa!

***** Generation. “Danmark”, do dinamarquês Kasper Rune Larsen. Seguindo a estrutura regras de “Dogma 95”, movimento de Lars von Trier e Thomas Vinterberg, o filme aprisiona sensorialmente o espectador.

** Berlinale Shorts. “Alma Bandida”, do brasileiro Marco Antônio Pereira. Uma crítica realista em estética videogame sobre preconceitos e limites dos que estão à margem da sociedade.

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