Ferrugem
A imagem trivial
Por Vitor Velloso
Aly Muritiba possui uma produção vasta e quase incansável na última década, conseguindo engatilhar diversos projetos em festivais de cinema e passou a ser um cineasta debatido em meio cinematográfico, não apenas por sua quantidade, mas também por seus temas. Em “Ferrugem”, o debate é de uma virtualidade, de maneira quase paradoxal, que consegue dar dimensão de um problema que está entranhado na cultura contemporânea, de forma exclusiva, pois tem haver com o nível de exposição que a internet propõe para cada assunto. E isso pode ser observado através de diversas perspectivas, tanto para uma certa ampliação de acesso ou mesmo de denúncia, como também a exposição criminosa, o cyberbullying.
O filme se inicia como uma narrativa dramática convencional, ainda que não esteja incorporada na lógica padrão de exportação, e leva a questão de um possível romance entre Tati (Tifanny Dopke) e Renet (Giovanni De Lorenzi), com trocas de olhares, conversas desajeitadas, mas é ágil em articular sua temática com esse início que tende a ser despretensioso. Onde se utiliza de uma relação complicada do personagem com sua mãe, para fazer uma determinada intervenção tecnológica, onde a chamada é colocada no viva voz e todos na roda passam a ouvir, o desconforto é notório, já que Renet se recusava a atender sua mãe.
A recusa em texto de buscar alguma sinopse vem da experiência positiva que se pode retirar do longa, sem a obtenção de qualquer conhecimento sobre o mesmo, pois a maneira como decide construir suas relações dramáticas através de um acontecimento ímpar antes da metade da projeção, está relacionada diretamente com a comunicação contemporânea e suas implicações de tempo e espaço, principalmente naquilo que tange um determinismo social de memória e julgamento acerca da atitude de qualquer pessoa. E a partir disso, consegue trabalhar não apenas o conservadorismo notório da sociedade brasileira, e dos jovens que a compõe (com classes sociais bem definidas), como é hábil em relacionar essa memória e conservadorismo, com a prática moralista que rege a misoginia cotidiana. É onde reside a força de “Ferrugem”
E dentro desse espectro, o diretor trabalha a encenação quase como um jogo de estruturas de tela, recorrendo sempre que pode a singularidade das diferentes perspectivas que o cyberbullying propõe diante da própria unidade física dessa capacidade do ser humano de agressão. Não à toa, esse ato de mudança dramática e narrativa, é realizado diante de uma câmera, com o a troca de olhares do mundo, dessa rede invisível, com a protagonista. E dentro dessa discussão, há uma questão ética de todo criador para com seu público, consumidor, que deve ser respeitada acima de tudo, não apenas por um empecilho mercadológico, mas propriamente envolvendo a Saúde Pública, como consta no código penal. E Muritiba, possui o respeito pela imagem, pela montagem e pela vida de quem assiste.
A divisão capitular que é realizada aqui, transforma “Ferrugem” em uma unidade pouco pragmática de relação dialética com seu espectador, pois parece não assumir que o mesmo sucumbirá às intenções do diretor. Não compromete propriamente a experiência, mas é um recurso dispensável. Assim como determinadas cenas e diálogos que poderiam ser enxugados para que houvesse mais dinamismo em algumas passagens, mas nada que de fato seja digno de chamar atenção. Alguns personagens possuem interpretações pouco convincentes, principalmente no que tange sua corporalidade, mas possuem um certo amparo do roteiro, que faz questão de ser didático o suficiente para que seja compreendido, mas sensível ao enxergar como essas relações afetam nosso cotidiano, tal como nossa realidade.
O direito de esquecimento, tão debatido em diversas frentes, é algo que é anulado e ignorado pela contemporaneidade, sendo assim, é compreensível que haja no futuro, uma morte súbita da internet, pois Borges nos lembra que é inconcebível viver com plena memória. Ao menos, que salvamentos e a arte do “deletar” possua seu cerne fora do virtual e físico, respectivamente, retraduzidos para um futuro não tão próximo. A tecnologia não é vil, o homem sim. E sendo assim, não há maneiras de culpas as ferramentas que são utilizadas neste tempo presente, que possibilitam inclusive o leitor aqui atento ou desinteressado, mas sim o uso que se faz desses dispositivos e principalmente, da informação.
Essa crítica é uma outra visão de “Ferrugem” em um texto anterior ao acima.