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Feast

Experiências dimensionadas

Por Fabricio Duque

Durante o Festival de Roterdã 2021

Feast

Exibido na mostra competitiva do Festival de Roterdã 2021, “Feast” é um filme denúncia, desenvolvido por uma narrativa jornalística que se une à  imagem experimental (como se fosse uma terapia psicodélica cerebral com o intuito de tornar a informação mais intensa). Os corpos em micro-close e a subjetiva organicidade sensorial do olhar (uma prévia) quebram-se com o pragmatismo da imagem  (uma comicidade sutil, encontrando o humor natural sem o produzir, como um CD de George Michael) e sua câmera estática, enquanto uma perito lista evidências (elementos coletados – “brinquedos” sexuais, “cartas sadomasoquistas ao Master”) em uma mesa aos jornalistas. Nesse ponto, a curiosidade já chegou. O público aguarda os próximos passos. Mas quando é apresentado um sangue positivado, o tom muda completamente.

“Feast (Festa)” baseia-se na história real de uma festa em que participantes foram drogados com GHB (a “droga do estupro”, chamado popularmente de “Boa noite, Cinderela!”) e contaminados sem saber com HIV+. “O amor é letal, mas não é criminoso”, diz-se uma vítima mesmo após ter sofrido abuso de vulnerável. O longa-metragem usa o próprio filme como uma experiência. Cobaias em um vidro observadas pelos analisadores (que são eles mesmos), que conversam sobre sexo e que o amor não tem limites para se expressar. Nós somos remetidos inevitavelmente a “Salò ou os 120 Dias de Sodoma”, de Pier Paolo Pasolini, visto que cada prazer se manifesta de um jeito e por algum afetivo-gosto-fetiche. Como por exemplo, em uma das cenas, a felicidade de uma micro-bióloga em seu laboratório, que infecta plantas para estudar os efeitos com a “poética ideia” do que é mal e o que é bom. Que talvez o vírus “modifica as pessoas para melhor”.

Entre perspectivas, dimensões, depoimentos, Platão, Eros e confronto com o “dono da festa”, “Feast” é sobre o desejo vital. De sangue primitivo. De instinto incontrolável. Aqui, o filme difere-se do que se chama de “presente” por pessoas que buscam contrair HIV+. E se torna um crime. Ainda que não mais uma sentença de morte (com a combinação de remédios, o portador vive indetectável – sem passar o vírus), o responsável atenta pela vida humana. A vulnerabilidade não consentida e sem a razão para decisões. Contudo, ainda há aqueles que dirão, com a hipocrisia desumana do conservadorismo entranhado, de que se estavam em uma festa de sexo, mereceram.

“Feast” torna ficção um documento. Por um hibridismo conceitual. O realizador holandês Tim Leyendekker, estreante na direção de um longa-metragem, quer aproximar sem o artifício do choque, que na maioria das vezes, afasta, mas sem abrir mão de ultrapassar os limites de formas e histórias. É sua própria busca sem compromissos pela verdade, absorvendo emoções profundas e primárias, como luxúria, agressão e a necessidade de segurança. “É um abraço de urso”, diz, porque “admiramos com prazer, indignação e nojo”. A elegância do filme está nas formas. Nas camadas. Nas quebras. No tom coral de mudar focos, estilizando e libertando pensamentos. A complexidade do tema desperta universais questionamentos existenciais. De que no amor pode tudo? De que o desejo permite todas os atravessamentos e invasões? De que podemos justificar os atos de um agressor? A maestria de um filme se dá quando saímos com mais perguntas do que quando entramos.   

3 Nota do Crítico 5 1

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