Estranha Forma de Vida
No campo das sugestões
Por Fabricio Duque
Durante o Festival de Cannes 2023
Alguns realizadores de cinema, por conta de seus nomes já consagrados, conseguem atravessar o patamar de importância de suas obras, fazendo com que os espectadores não tenham dúvidas do querer assistir no público, como por exemplo, o diretor espanhol Pedro Almodóvar. “Estou ansioso para ver o novo Almodóvar”, como se fosse uma marca, um pedigree, um hype imperdível. Foi exatamente isso que aconteceu com seu mais recente filme, o média-metragem “Estranha Forma de Vida”, de 32 minutos, exibido inicialmente em uma única sessão no Festival de Cannes 2023, que após tanto burburinho e problemas gerados por logísticas internas, ganhou outras possibilidades, permitindo aos que perderam a “grande chance de suas vidas”.
Como foi dito e percebido, este é um curta-metragem que movimentou um dos maiores festivais do mundo. Mas o que faz Almodóvar ser Almodóvar? Qual seu tempero especial? Se analisarmos seus filmes anteriores, encontraremos então uma estilizada ambiência narrativa ao kitsch, um orgânico exagero sentimentalista e melodramático, e a uma naturalista quebra da moralidade, utilizando-se de estereótipos e chavões inautênticos, tudo transporto pelo viés do mais genuíno dos comportamentos humanos, encarnando valores da tradição cultural. Mas isso é absorvido pela característica típica de Almodóvar, que é filmar a invisibilidade da alma neurótica (se esta pudesse ser completamente livre no meio social), em uma estrutura imagética de fetiches comportamentais, ora pela fantasia possível, ora pela projeção obsessiva do objeto visual de desejo, entre corpos suados e seus pelos em close. É bruto, artístico, direto e estético, ao mesmo tempo.
Todas essas sugestões (especialmente as insinuações sexuais) estão presentes e arraigadas em “Forma Estranha de Vida”, que aqui galga o gênero do faroeste, só que queer (“western à minha maneira”, diz Almodóvar no Festival de Cannes) e só de homens gays. O grande conflito da trama é a vingança (de um amor mal resolvido – que atinge o orgulho masculino), cujo tema é a essência de filmes de caubói. Nessa terra não há lei, apenas desejos impulsionados, pulsantes, animalescos, ferventes, de tesão à flor da pele e de medos enrustidos, visto que um homem que é homem se protege do sofrer. Sim, ser Almodóvar é conseguir qualquer ator. Neste, o elenco conta com o queridinho do momento Pedro Pascal (de “The Last of Us”, The Mandalorian”, “Narcos”), o queridinho de antes Ethan Hawke (“Fé Corrompida”, “Boyhood”, “Gattaca”, “Grandes Esperanças”, Trilogia “Antes do Amanhecer”, “Antes do Pôr do Sol”, Antes da Meia-Noite”), e, os novos “rostos perfeitos simétricos”, Manu Rios (“Elite”, “Silêncio”) e José Condessa (de “Mar Branco”, “O Crime do Padre Amaro”), que vivenciam os dramas interioranos de um passado evocado parado no tempo, dentro de um lugar que respira explícitos flertes sexuais.
Em “Estranha Forma de Vida”, Almodóvar cria seu universo mágico. Contudo, toda essa construção cênica e interpretativa mantêm-se no campo da espera. Na superfície e apenas no conceito. A história, propositalmente ou não, busca ficar no anti-naturalismo, numa forma estranha de não acesso. Suas personagens vivem o paradoxo da distância e do vazio. Parece que ninguém se importa e consegue avançar. Nem Almodóvar, tampouco o próprio filme. Ainda que este seja apenas uma experimentação de linguagem (para talvez algum projeto mais adiante), ainda assim, soa preguiçoso. Soa urgente. Soa estabanado. Falta sabor, tempero, neurose e verdade humana. Falta obsessão, vontade e sacanagem. Falta drama, sofreguidão, tristeza e revolta. Falta a livre entrega de uma trágica e grega novela mexicana. O que encontramos aqui é uma hipster e blasé ideia de uma cavalgada que não chega a acontecer. Uma masturbação estimulada sem ejaculação, a tão esperada catarse do final. E olha que Almodóvar sabe filmar muito bem e preparar toda a mise-en-scène com uma irretocável fotografia, filmada no deserto de Tabernas, província de Almeria, na Espanha, com trilha sonora de Alberto Iglesias.
Nós nos perguntamos o porquê deste projeto. Uma ideia entre amigos? No calor brainstorming da emoção? E sim, mesmo assim, sendo o filme mais fraco de Almodóvar, a curiosidade sempre é grande. Não me canso de usar a mesma máxima de Woody Allen: até na obra mais fraca, a experiência é muito melhor que muito filme por aí. Para concluir, o filme foi tão pensado na embalagem que os figurinos vêm da Saint Laurent, desenhados por Anthony Vaccarello, também produtor associado do projeto.