Sinto muito, amor, mas não pode ser
Por Vitor Velloso
Com Adoniran Barbosa no título, continuemos. Recentemente diversos documentários políticos foram lançados, buscando uma compreensão da polarização política que vivemos a partir de 2013, seja com foco no processo de impeachment da Dilma Rousseff ou a ascensão da extrema direita no Brasil. “O Processo”, “Excelentíssimos”, “Democracia em Vertigem” e outros. Agora com “Espero tua (re)volta” vemos o ponto de vista dos movimentos estudantis nestes processos desde então, logo, as divisões políticas são comuns, porém, suas lutas se convergem, dando forma ao objeto do filme.
Dirigido por Eliza Capai, o documentário irá mostrar a participação do movimento estudantil nas mudanças políticas recentes, focando em SP. Uma das forças do projeto está na democratização das vozes que a diretora expõe e na forma dessas falas. Não há um filtro que vai moldar as características dos entrevistados, pelo contrário, há, notoriamente, uma liberdade ímpar nas falas, compreendendo um diálogo maior com todos os estudantes e abraçando um didatismo de causa que apenas acrescenta ao longa. Essa estratégia pode causar estranhamento nos primeiros minutos, já que são diversos narradores e eles dialogam entre si, mas rapidamente compreende-se a estratégia, quando escutamos uma mulher tomar para si a narrativa e expressar sua revolta em assistir um documentário guiado por um homem.
Nos primeiros momentos, fica clara o caráter partidário do filme, já que acompanhamos não apenas os movimentos, mas escutamos representantes falarem de suas coligações como UJS e outras. E não trata-se de um defeito, pois como iremos acompanhar os personagens pelo resto da película, conhecer suas filiações e compreender suas causas é essencial para gerar empatia pelos mesmos.
Sendo assim, ao acompanhar a luta, o espectador está convidado a concordar ou discordar das posições ali apresentadas, ainda que não haja espaço à oposição (dos manifestantes), pois o longa define seu lado categoricamente no início, apenas ressaltando que na UNE (União Nacional dos Estudantes), há aqueles que se opõe a maioria. A única questão a ser tratada neste processo é a maneira como a diretora abandona este grupo, em uma postura dada por uma das entrevistadas, mas que não se configura em um equívoco, já que o foco são as lutas, e mudanças, promovidas por aqueles que estão dispostos (no caso este pequeno grupo manteve-se calado).
Ao passo que a configuração atual vai se montando diante de nossos olhos, é possível enxergar o esforço de Eliza em não apenas observar, mas também engajar, mesmo que na forma isto esteja claro, a consolidação disto vem ao fim da projeção, na última cena.
Uma das olhares que a diretora propõe é a evolução da militância, no âmbito pessoal, de cada um dos entrevistados, dando um tom de progresso bastante positivo às pautas apresentadas, pois o amadurecimento político é notório, possibilitando que as mudanças sejam concretas. Objetivamente, a forma que “Espero Tua (Re)volta” possui, possibilita que a projeção que se tem do futuro (naquele momento) seja de bastante vigor, já que o passado não aparece em imagens, apenas em falas e discursos, e o presente estamos assistindo.
A sensação romântica que se tem dos acontecimentos não atinge nem o filme, muito menos os estudantes. Há uma vivência que atinge diretamente a pele daquele coletivo que jamais se deixará levar pela utopia que a classe branca e burguesa tomou para si (atitude esta que gerou o vácuo mencionado logo no início). Esse grupo inclusive que agora decide reivindicar pautas específicas e falar da derrota que sofreram no âmbito político. Ta tarde já.
A montagem se mostra dinâmica ao passo que consegue atingir diversos ritmos históricos diferentes, ainda que não utilize imagens de arquivo (exceto as que ocorreram durante o processo de produção), até porque a rima imagética do passado com o mundo contemporâneo é crível demais. Em alguns momentos de “Espero Tua (Re)volta” torna-se um pouco previsível, tensionando dramaticamente alguns momentos, mas do ponto de vista didático, estas diretrizes são eficazes. E esta é uma das maiores virtudes do longa, ser dialético e pragmático, alcançando todos aqueles que precisam compreender aquele movimento. E é isto que faz “Espero tua (re)volta” um dos projetos mais importantes do ano, pois ele atinge perfeitamente o público que pretende e faz isso de maneira sólida.