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Duna: Parte 2

Novos mundos, mesmos problemas

Por Fabricio Duque

Duna: Parte 2

O cinema comercial conhece mesmo os meandros dos indivíduos sociais e entende como ninguém transformar isso em filme, visto como um produto a ser consumido. Essa indústria, em especial a de Hollywood, conseguiu descobrir um modelo de produção e distribuição que vai além do tradicional. Tudo aqui precisa ser grandioso, épico e movimentar milhões de dólares. Sim, isso é o que a neurociência chama de “movimento manada” (é liberado óxido nítrico no cérebro), em que a massa segue os mesmos padrões até que esses sejam naturalizados. É uma complexa engrenagem de retroalimentações e demandas geradas. É um círculo numa zona de conforto: segue-se com o já conhecido e afasta possibilidades do novo. Esse é o caso de “Duna: Parte 2”, que traz outra característica dessa estrutura Blockbuster de ser: a de prender o público com a divisão de partes e continuações de uma mesma história (leia sobre a primeira parte de “Duna” aqui). Isso a psicanálise também explica, porque se estimula a curiosidade e a necessidade que o ser humano tem de finalizar tarefas, chegando a ser torturante quando tramas são interrompidas do nada, sem o final. Esse público deve odiar os filmes dos Irmãos Coen por acabar suas obras sem um decente fim. Pois é, e para terminar esse preâmbulo, e começar a analisar propriamente o filme em questão aqui, há ainda a questão de diretores que trocaram o universo cinematográfico independente para atender “o lado negro da força” das obras com narrativa mais palatável e de fácil degustação. 

Sim, estou falando do canadense Denis Villeneuve, que dirige “Duna: Parte 2” e que cada vez está mais para Christopher Nolan. E claro que geraria burburinho e se tornaria o Blockbuster mais visto do ano até agora. Sim, tudo porque o ser humano é curioso e dependente de saber o final de histórias contadas. Continuações de sagas também conseguem ser mais livres, visto que já não há mais a obrigação de apresentar a trama. É como se o diretor ganhasse carta branca para estender uma história já conhecida. E sim, seu diretor Denis Villeneuve fez isso. “Duna: Parte 2”, baseado no segundo livro de Duna, “O Profeta do Deserto”, continua a história da saga de Paul Atreides (o ator queridinho, e “sempre Me Chame pelo Seu Nome”, Timothée Chalamet), em busca de vingança, unindo-se a Chani (a atriz Zendaya) e aos Fremen, que lutam por séculos. Mas Paul “sabe as formas de pensar e os caminhos”. 

“Duna: Parte 2” pulula muitas questões político-sociais em seu roteiro. Esta obra quer ser um processado espelho de uma realidade construída (de uma raça que representa todas as outras juntas). Uma delas, pela metáfora da jornadas-conquista, em premonições e/ou sonhos estranhos, é trazer a ideia religiosa da figura do Messias, o profeta escolhido e esperado por anos para salvar a Humanidade dela mesma e dos perigos sociais construídos por eles mesmo. “Está escrito”, diz-se, como se inventassem uma lendas, como “forma de passatempo”. Mas não se sabe se é uma crítica à este desenvolvimento quando arraiga o machismo e o poderio do homem, como por exemplo, o filho coloca a mão na frente da mãe para protegê-la. Neste “Duna”, o foco está mesmo nas consequências imigrantes, como a necessidade do ritual-tradição de Paul ser rebatizado, ter um novo nome, falar a língua deles e assim pertencer conectado ao mundo apresentado. É o conceito do imigrante/refugiado que precisa mudar totalmente a vida para se “enquadrar” nos costumes da nova cultura. Sim, o roteiro evoca muitos simbolismos, mas sempre pela ideia mais genérica, talvez por receio-medo de se aprofundar, e sempre pela força descomunal desse suposto profeta, que vive desafios, com bravura, atitude e vamos concordar com muita sorte. 

Sim, são metáforas políticas em cima de metáforas políticas. “Duna: Parte 2” pode ser também um estudo sobre todos os fundamentalistas que compõem toda nossa contemporaneidade, que seguem à risca as linhas das escrituras “sagradas” e que acreditam estar certos em “preparar” o terreno da Terra para “receber” esse “enviado” de Alá. Confesso que, mesmo dentro de toda essa alegoria em tom hollywoodiano, fui além sobre Deus. Viajei, como um herege, em meus pensamentos: será que esse povo não age assim porque Deus ou Alá, o criador de todas as coisas, inseriu em seus DNA características de competição de que tudo só pode ser resolvido por uma guerra?”. E assim dentro dessa superficialidade assumidamente comercial do filme, de tom exageradamente didático e de efeito extremamente espetaculoso, nós encontramos na narrativa, em distopia, bem à moda de “Game of Thrones” com “Mad Max” com “Guerra nas Estrelas” com “Guardiões da Galáxia”, elementos que conseguem traduzir e personificar em tela o que é ser um ser humano enquanto indivíduo vivendo em uma sociedade, “gritando” por esperanças. Outra questão desencadeada é o que é ser uma Nação. O documentário “No Other Land”, que venceu o Festival de Berlim deste ano, trouxe para mim os mesmos questionamentos de “Duna 2”. Aqui, a “missão” é morrer para conservar a terra, este lugar a memória e de pertencimento. Sim, minhas perguntas tabus mentais eram: Por que eles não mudam? É só uma terra. Pois é, mas se eles saírem dali, os outros irão dominar tudo. Sim, é muito complexo. Talvez os dinossauros tenham tido esse mesmo problema e Deus foi lá e acabou com tudo. 

Ou talvez seja inerente a nossa condição humana a morbidez e a selvageria em assistir mortes. “Duna: Parte 2” traz também o desejo incondicional. Seduções, impulsos, orgulhos, honras, humilhações, vulnerabilidades (bem instáveis emocionalmente), tudo é sexo, ora por dor, ora platônico, mas sempre com a motivação do prazer. Há também outra polêmica no filme: a de transformar esse profeta em ditador (a “arrogância dos conquistadores”), em um nazismo invertido. “O medo é única coisa que a gente tem”, diz-se. “Eu sou a voz do mundo externo e guiarei vocês”, grita-se. E sim, o “mostro” tem o formato de um ânus. Um cu que “produz água da vida” e é proibido. Enfim, poderia ficar horas escrevendo sobre todos os artifícios que o filme usou: a crítica ao aquecimento global e a conscientização de que nós causamos isso; o ensaio a “Romeu e Julieta”, a poção-veneno (a figura da ayahuasca – que “mostra o caminho”) e a lágrima; a auto-ajuda de nunca parar de acreditar; brigas entre primos; batalhas fáceis demais. Sim, é muita coisa junta. Tem até os olhares -expressões de efeito, como se desfilassem uma passarela de moda. Cansa. Sim, assim como todo filme de ação, minha mente desligou e entrou no estágio de aguardar o fim chegar. 

“Duna: Parte 2” é para ser assistido como um filme de ação e nos cinemas, especialmente por causa de sua fotografia estética do deserto e de dentro das dunas. Os aprofundamentos político-sociais-históricos-religiosos em reflexo, apenas um plus. 

3 Nota do Crítico 5 1

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