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Dreams

A literatura dos sentidos em imagens

Por Fabricio Duque

Festival de Berlim 2025

Dreams

Pelo estudo existencialista de sua trilogia da universalidade, o realizador norueguês Dag Johan Haugerud conseguiu provar, de uma vez por todas com suas ficções, que para se viver só é preciso três elementos, abstratamente patológicos e cognitivos, quase sem nenhuma lógica, em total dependência com o comportamento humano: amor, sexo e sonhos. Cada um parece mesmo não funcionar sozinho. Não se sabe quando termina um e quando começa o outro, tampouco o que os motiva, os impulsiona e o que causa suas consequências psicológicas e físicas. Imagine então tentar definir o que é o sonhar! Talvez uma projeção do querer, uma ilusão que nutre a vontade irracional, um sentimento platônico de covardia (este por querer se proteger das negativas quando reações são postas em ação). Assim, sonhar é o imaginar. É a prévia do decidir. É um ensaio, um simulado. Em sua tríade, o cineasta apresenta seu “último” capítulo. “Dreams (Sonhos)” foi apresentado no Festival de Berlim 2025, vencendo assim o Urso de Ouro de Melhor Filme. Mas talvez este longa-metragem tenha sido mesmo, inquestionável e inerentemente, avaliado pelo contexto geral, visto que os outros dois capítulos anteriores “Sex” e “Love” também foram lançados quase juntos em 2024.

Para construir a mise-en-scène dos três filmes, o diretor usou a interferência sensorial e metafísica do próprio cotidiano que nos cerca. Assim, em “Dreams”, a ambiência busca o etéreo, numa suspensão do tempo real a uma projeção mais poética dessa realidade. Nós somos envolvidos em uma espontânea e coloquial poesia visual, muito complementada pela fotografia de Cecilie Semec, para que assim não só observemos a trama, mas que a sintamos como uma identificável metáfora de como é ser humano. O filme não quer seguir pelo padrão mais hollywoodiano de manipular emoções, e prefere as transformar na ideia pragmática dos “sentimentos modelos”. O longa-metragem quer se conduzir pelos silêncios, pelas sutilezas, pelas empatias, pelas plurais derivações das sensações, mais realistas e racionais. São os sentidos os verdadeiros protagonistas, porque criam situações, escolhas e consequências às personagens.

Mas quando a personagem principal, ainda inocente (aos olhos dos outros), escreve um livro, contando uma história de amor adolescente, aparentemente ficção e baseada na imaginação projetada do querer (assim como a matéria-prima) de todas os outros autores, o conflito é gerado, desencadeando uma maré de planos de contrastes: hipocrisias, moralismos e tetos de vidro. A beleza da sexualidade descoberta, da vontade do amor, da experiência de explorar possibilidades, e transpor tudo em linhas literárias, começa a incitar inveja e gatilhos nos outros (muito “crentes”, confiantes e que se achavam “imunes” a essas vicissitudes já “controladas”). A maestria de “Dreams”, neste coming of age, está em não apelar à fórmula pronta, de dramas potencializados ao maniqueísmo tóxico e moralismo das formas de se amar, como o julgamento destrutivo e policiado dos olhares retrógrados. E até mesmo não enveredar nos moldes da pré-justiça expositiva de “A Caça”, por exemplo.

“Dreams” quer trazer consequentes questionamentos crítico-sociais enquanto faz um tratamento psicanalítico de choque pelas reações humanas, lidando assim de forma adulta às características inerentes do processo de amadurecimento dessa adolescente. Todo o filme aqui acontece pela narração em fluxo de pensamento e pela irradiação “recurso literário” do que é contado às páginas de um livro (com o objetivo de “escrever para guardar” com ela – ao “descrever a sexualidade sem castidade). Há quem diga que a maldade está nos olhos de quem vê. E essa é a mais pura verdade, porque todos esses pensamentos tóxicos, intrusivos e negativos influenciam os que são mais puros. Há quem diga também que crescer é isto: trocar a fantasia esperançosa pela frustração cruel, como subir escadas infinitas e alimentar amarguras.

“Dreams” quer imprimir também um humor de incômodo, que mostra que a “maldade está na cabeça de quem pensa sobre”. O filme busca a desconstrução de gênero e da necessidade que a humanidade tem em tentar definir tudo. Em deixar tudo em um caixa acessível. “É uma história de amor queer”, diz-se. “Só porque eu me apaixonei por uma mulher, eu sou gay?”, rebate-se. Essa é a mesma questão presente no primeiro filme “Sex”. Como disse, “Dreams” é um filme de sentidos, aguçados, explorados, tentados e experimentados com o eterno embate que a vida sempre traça: por que não é possível manter a inocência? Por que depois de perdê-la nos tornamos cínicos e céticos em relação ao amor? Sim, talvez os sonhos sejam mesmo a base de toda a trilogia da universalidade e nos crie a nostalgia (e a melancolia da tristeza) do re(querer) o retorno de nossa inocência perdida.

5 Nota do Crítico 5 1

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