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Doutor Estranho no Multiverso da Loucura

O Engolidor de Mundos

Por Ciro Araujo

Doutor Estranho no Multiverso da Loucura

É estranho falar sobre política de auteur em um ambiente tão alienante quanto é a Marvel. Quando Sam Raimi, diretor da trilogia que impulsionou o gênero, aceita o desafio de voltar a direção para “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura”, o contexto que bate na cabeça de qualquer afeiçoado por filmes é no bizarro comportamento que a produtora de heróis anda tendo. Talvez pelo sentimento de fim de sua última saga – enfim, a complexidade de sequenciação que já existia nos quadrinhos – ou pela vontade de manter um público interessado enquanto simplesmente engole o parque cinematográfico internacional, ocupando seus noventa porcento de salas.

A ideia de crossover que surgiu em 2012 com “Os Vingadores” chacoalhou o mundo ou ao menos a Terra que transforma a sétima arte muito mais em um puro entretenimento. Seja lá o que aconteceu nessa época, deu saída (financeira). E como deu! Assim, a escolha mais supostamente ousada, que de nada é realmente surpreendente, seria renovar com a possibilidade de algo que também salvou nas revistinhas; entretanto, neste caso, era realmente desesperador, as vendas oscilavam. Já no cinema, eis a opção: aproveitar a imagem midiática de atores e transformar em marketing. Você é livre para fazer o que quiser e as pessoas adoram imaginar. Produção de graça, entretenimento absoluto.

Pois bem, Sam Raimi decide imaginar um filme que seja sua cara. É óbvio que consegue, não é como se nunca conseguira. Nem mesmo no péssimo “Oz, Mágico e Poderoso” sua lábia ou qualquer magia que consegue realizar deixou de convencer a gigante do rato a não experimentar elementos de terror e horror. Em “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura”, a ideia é quebrar completamente aspectos já tradicionais na Marvel, apesar de se renderem ao infame CGI. Entre jumpscares e outros tipos de sustos, o cineasta possui a técnica necessária para domar esse leão imponente que destrói carreiras de “pobres coitados” hollywoodianos. Parece, na verdade, um trabalho de amadurecimento e saber no que é possível flexibilizar. Raimi é macaco velho e não é à toa que tenha entrado após a saída do antigo diretor do filme, Scott Derrickson: viu oportunidade para voltar a trabalhar com orçamentos esdrúxulos, talvez receber uma boa quantia e aplicar o que deve ter sido torturante nesses dez anos de universo cinematográfico ou qualquer baboseira que se chame.

Entre uma batalha envolvendo notas musicais e uma das piores aparições de Bruce Campbell, o estilo cinematográfico pode ser visualizado como auge criativo. Não é lá grandes coisas, do mais incrível. Pelo contrário, já que aquela industrialização do gravar envolve o sacrifício da necessária calma para a ambição de querer estar com a próxima cena na ponta da língua (ou melhor, da câmera). A entrega de personagens é mínima, a transição entre diálogos e o seu texto por completo possui seu modo desajeitado e pouco trabalhado, como se fosse um produto do desespero. Vale recordar que o longa-metragem seria lançado meses antes, não fosse por desculpas como pandemia e mais algumas que conseguiram inventar na hora.

O que mais de interessante há de se retirar, apesar do toque de Sam Raimi, é como foi trabalhado a relação mídia e obra. Sim, é claro que de nada importa algo que acaba sendo exterior ao filme, mas é impossível evitar tratar sobre essa relação tão esquisita que vivemos da realidade e da expectativa em si. O famigerado hype. O olhar inicial acaba revelando como o fetiche de enxergar afetou o público-alvo. A preguiça do olho parece iminente, isto é, não procuram nem mesmo aproveitar o cinema, mas sim descansar o cérebro para que ele não faça o trabalho de ser criativo. Este é o emprego de Hollywood, é de quem está fazendo filme. O resto? O resto precisa apenas esperar, bater palmas e rir. A Marvel que não é boba aproveitou de um anterior, “Homem Aranha: Sem Volta para Casa” e fez silêncio depois. Sem divulgar nada. As redes sociais teorizam. Soltam um trailer e os sites pops fazem barulho. Chegam e assistem ao longa. Disney lucra e fim do espetáculo. É uma receita óbvia que encontraram como muleta o lançamento via streaming e qualquer brincadeira efêmera para que tragam esses noventa porcento do público para o cinema. É genial, por parte da empresa. Mas no final das contas, quem sai perdendo é o espectador que, arrasado, sai desapontado de “Doutor Estranho no Multiverso da Loucura” pela falta de aparições depois de ter imaginação desligada. Já Sam Raimi sai de bolso cheio com sentimento de ter o filme talvez mais vivo em um bom tempo dos gibis “marvelísticos”. Suas cenas são bem coordenadas, e é isso que importa.

3 Nota do Crítico 5 1

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